O Itaú Unibanco planejava demitir, inicialmente, quase o dobro de funcionários por considerar baixa a produtividade no home office. A reportagem apurou que quase 2.000 empregados do banco tiveram o seu trabalho em casa classificado como ocioso. Cerca de mil foram desligados nesta segunda-feira (8).

O levantamento veio após quatro meses de monitoramento dos funcionários em regime híbrido ou totalmente remoto. Por meio de softwares como o xOne, que coleta dados como tempo de uso do computador, o banco considerou que esse grupo tinha poucas horas de atividade.

Felipe Oliveira, sócio-fundador da Artica, que produz a ferramenta, afirma que são coletadas métricas como tempo de login, "Uma organização pode considerar o acesso frequente a redes sociais como não relacionado às tarefas profissionais e, portanto, improdutivo -mas essa definição é exclusiva de cada empresa", diz o executivo.

Cruzando os dados do xOne com o registro de ponto eletrônico, o Itaú identificou o que considera inconsistências entre o saldo positivo do banco de horas e a jornada efetivamente trabalhada.

Em email enviado a funcionários, ao qual a reportagem teve acesso, o banco diz que em "alguns desses casos, os mais críticos, chegaram a patamares de 20% de atividade digital no dia e ainda assim registraram horas extras naquele mesmo dia, sem que houvesse causa que justificasse".

"Atitudes como essas prejudicam a todos, pois desgastam relações de trabalho, comprometem o ambiente de colaboração e minam a liberdade que conquistamos nos modelos mais flexíveis, como o modelo híbrido", completou o banco em seu comunicado interno.

Na análise, foram selecionados cerca de 2.000 nomes que, na medição dos sistemas do Itaú, estavam aquém dos parâmetros de atividade da instituição.

Esse levantamento foi repassado aos gestores responsáveis, que justificaram os números de cerca de metade dos nomes listados. Seria o caso de pessoas cuja natureza de trabalho não requer o uso contínuo de notebook, ou que utilizavam outra máquina ou que estavam passando por alguma questão de saúde. Mesmo assim, eles foram advertidos.

Os demais foram dispensados nesta segunda, independentemente de sua performance. Muitos dos demitidos haviam batido metas e recebido promoções. Foram avaliados todos os empregados em regime híbrido ou totalmente remoto, o que representa cerca de 60% de 95 mil funcionários do banco, segundo último balanço. Ou seja, cerca de 1,75% foram demitidos.

A reportagem ouviu de alguns profissionais dispensados que, se estivessem ociosos, as demandas estariam atrasadas, o que não era o caso. Eles também relatam que comunicavam aos superiores estarem livres para novos serviços, mas que ouviram da chefia que era assim que a área funcionava, sendo necessário esperar que demandas entrassem no sistema.

Muitos também relatam passar horas em reuniões pela plataforma Microsoft Teams. A desenvolvedora do xOne afirma que o monitoramento leva em conta sistemas de videoconferência e chamadas.

Ao contra-argumentar na hora do desligamento, os funcionários teriam ouvido de seus coordenadores que eles não tinham poder de decisão sobre o desligamento, que teria sido uma decisão da liderança do banco.

Os advogados trabalhistas dizem que a fiscalização do teletrabalho é legal, desde que prevista em contrato e comunicado aos funcionários.

"O monitoramento deve ser feito respeitando o direito à privacidade e intimidade do trabalhador. Tudo aquilo que for do trabalho, desde que previamente cientificado de forma bastante clara e transparente, pode ser monitorado", diz Carla Felgueiras, sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados.

Procurado, o Itaú disse que os desligamentos foram "decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada. Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco. Essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade."

Nesta terça (9), o Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região questionou representantes do Itaú sobre a transparência do monitoramento e pediu que as regras do teletrabalho sejam repactuadas.

"O Itaú alega falta de produtividade, mas estamos falando de cerca de mil pessoas. Não é razoável usar mecanismos de monitoramento e vigilância para justificar cortes em massa. É preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital, pois esse tipo de prática pode gerar pressão excessiva, afetar a saúde mental e criar um ambiente de trabalho opressivo. 

Se há um mecanismo de avaliação no teletrabalho, por que esses funcionários não foram advertidos antes de serem demitidos?", diz Neiva Ribeiro, presidente do Sindicato. A entidade irá se reunir com esses trabalhadores demitidos nesta quinta-feira (11) para definir uma mobilização.