Em um dos seus capítulos, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade aborda um tópico inédito no trabalho estatal de investigação da ditadura: o papel do Judiciário.
De maneira geral, a comissão vê os órgãos do Poder com olhos críticos: suas decisões "refletem, muitas vezes, seu tempo e seus senhores; são expressões da ditadura e de seu contexto de repressão e violência", e sua atuação fazia parte de "um sistema hermético mais amplo, cautelosamente urdido para criar obstáculos a toda e qualquer resistência ao regime ditatorial".
Para além de uma análise institucional, o relatório trata também do papel dos juízes. Afirma a comissão: "os magistrados que ali estiveram --ou melhor, que ali permaneceram-- frequentemente eram parte dessa conjuntura, inclusive porque, por meio da ditadura militar, foi-lhes garantido um assento naqueles tribunais".
"Quem quer que tenha sido nomeado para o STF, por exemplo, durante a ditadura, tinha clareza das circunstâncias a que estavam jungidos e quais votos eram esperados da sua lavra; sabiam da ausência de garantias dos magistrados; conheciam as reformas promovidas na composição e atribuições do tribunal; e, sobretudo, eram cônscios acerca de quem deveriam servir."
Dentre o STF, a Justiça comum e a Justiça Militar, afirma a comissão, a última teve o papel mais preponderante na legitimação das violações aos direitos humanos ocorridas no período.
"A Justiça Militar consolidou-se, sobretudo a partir do AI-2, como verdadeiro arauto da ditadura, na medida em que teve seu raio de atuação ampliado para processar e julgar civis incursos em crimes contra a segurança nacional e as instituições militares; colaborou ativamente para a institucionalização das punições políticas; aplicou extensivamente -e tardiamente- a Lei da Anistia aos militares; e omitiu-se diante das graves violações de direitos humanos denunciadas por presos políticos, seus familiares e advogados", diz o relatório.