A “caixa-preta” das Uaitecs, como classificou um ex-aliado de Narcio Rodrigues (PSDB), ganhou essa denominação pela ausência de processos licitatórios na compra de equipamentos, o que teria facilitado a negociação dos sobre-preços. Responsável pela aquisição dos aparelhos e do mobiliário das unidades da Universidade Aberta e Integrada (Uaitec), a Fundação Renato Azeredo (FRA) também está sendo investigada pelo Ministério Público. A parceria entre a Secretaria de Ciência e Tecnologia (Sectes) e a FRA foi selada em ato publicado no Diário Oficial do Estado em dezembro de 2013, assinado pelo então secretário de Ciência e Tecnologia, Narcio Rodrigues.
Na publicação, a secretaria oficializa a contratação da Fundação Renato Azeredo para gerir a Rede Uaitec, com dispensa de licitação para execução dos serviços. O valor do contrato entre Sectes e FRA é de R$ 6,5 milhões pelo período de um ano. “Os equipamentos, como o aparelho de videoconferência, por exemplo, eram adquiridos diretamente pela fundação, com compra direta”, assegurou a fonte.
A Controladoria Geral do Estado (CGE), que apura irregularidades da Sectes nos projetos da Hidroex, garantiu à reportagem que a Fundação Renato Azeredo era utilizada para fraudar licitações. O órgão explicou que o Estado celebrava convênios ou outro instrumento congênere com a fundação. Depois, a entidade contratava empresas sem licitação. “Além de fraudarem a lei de licitações, eles também contratavam, muitas vezes, com sobrepreço ou superfaturamento”, contou um servidor da CGE.
Um funcionário da área técnica do projeto Uaitec, que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato, apontou o empresário cearense Sérgio Frota, presidente da Pleimec Planejamento Ltda., como um importante fornecedor de equipamentos para o programa, contratado via Fundação Renato Azeredo. “Frota é amigo de Narcio Rodrigues e, quando começaram as Uaitecs, foi a primeira pessoa que apareceu em seu gabinete. Ele vendia equipamentos à fundação a preços estratosféricos”, relata a fonte da Sectes.
Outro lado. Procurado pela reportagem, o empresário cearense negou qualquer irregularidade nos contratos que firmou com o governo ou com a Fundação Renato Azeredo. Ele explicou que, para as Uaitecs, vendeu 92 equipamentos de videoconferência a R$ 28 mil cada um e racks no valor de R$ 2.459 a unidade. Frota garante que participou de licitação. “A licitação foi para aparelhos STD standard definition, mas a FRA recebeu equipamentos HD (High Definition) como ‘upgrade’, recém-lançados no mercado, já que o QDX 6000 que foi licitado estava prestes a sair de linha”, assegurou o executivo da Pleimec.
Frota informou que foi chamado à CGE em fevereiro para prestar esclarecimentos sobre um pregão eletrônico em que participou com a Sectes para a montagem de uma “sala de imersão” na Hidroex, investigada pelo MP. “Existe preconceito contra empresas do Nordeste, por isso a investigação contra mim”.
Explicações
“O secretário (Narcio Rodrigues) conheceu o meu trabalho na implantação de CVTs , Fatecs e salas de educação a distância com videoconferência aqui, no Ceará, como vários deputados, senadores e governadores. Este projeto CVT do Ceará se tornou um programa nacional do Ministério de Ciência e Tecnologia.”
“Em 2015 tive zero de contato (com Narcio); em 2014, talvez, uns dois. Em 2013, a mesma coisa, idem 2012 e, em 2011, acho que nenhum. Os contatos foram na secretaria para tratar de assuntos relativos aos projetos. Meus contatos eram, na sua grande maioria, com o subsecretário e a Diretoria de Informação.”
“Participei de uma licitação da Fundação Renato Azeredo (FRA). Se o orçamento era de R$ 900 mil para compra de equipamentos para cada unidade Uaitec, a Pleimec vendeu apenas 3,3% disso.”
Sérgio Frota
presidente da Pleimec Planejamento LTDA.
Secretaria atual prorrogou contrato
Apesar dos indícios de irregularidades nos contratos da Fundação Renato Azeredo, a atual gestão da Secretaria de Ciência e Tecnologia prorrogou a parceria para gerir a Rede Uaitec. O valor do contrato é de R$ 8,5 milhões para que a entidade preste “serviços especializados para o funcionamento da rede”, informou a Sectes.
O principal problema identificado pela atual gestão, segundo a assessoria, foi a ausência do Estado na execução do projeto, culminando na falta de alunos e equipe para gestão da rede.
A Sectes confirmou que a Fapemig, fundação estadual de fomento à pesquisa, investiu nas Uaitecs, mas não quis informar o valor. Sobre as emendas, esclareceu que o valor de R$ 1 milhão por unidade é de responsabilidade da União, assim como seu plano de trabalho. A Sectes afirmou que na atual gestão, nenhuma emenda foi executada, mas não revelou qual a fonte para implantação de novas unidades. Ao se negar a detalhar preços por item, disse que cada Uaitec custa R$ 460 mil e mais R$ 90 mil em custeio.
Anastasia e PSDB defendem apuração
O ex-governador de Minas Antonio Anastasia (PSDB), hoje senador e relator do processo de impeachment de Dilma Rousseff, foi procurado para esclarecer as possíveis irregularidades no Programa Uaitec, lançado durante sua gestão. Por meio da assessoria, informou que “defende que quaisquer denúncias devam ser rigorosamente apuradas pelos órgãos competentes e julgadas na forma da lei”, diz a nota. A reportagem não encontrou ninguém da Fundação Renato Azeredo para comentar as investigações.
O advogado de Narcio Rodrigues, Sânzio Nogueira, não se manifestou sobre as investigações do Ministério Público de Minas Gerais sobre superfaturamento nas Uaitecs. Em nota, o PSDB de Minas diz desconhecer a referida “investigação por superfaturamento” na implantação das Uaitecs/CVTs e, por isso, não tem elementos suficientes para permitir um posicionamento. “De qualquer forma, o partido reitera seu apoio à apuração de eventuais denúncias para o devido esclarecimento dos fatos por parte dos órgãos competentes”. (AD)