“Antes ele ‘só’ me batia em casa, e não passava disso. Hoje, depois da medida protetiva, ele me ameaça, me persegue, e a ira dele aumentou quando o denunciei. Tenho medo de morrer”, conta a empresária Juliana*, que apanhou do marido por cinco anos. Ela representa um universo de mulheres que tiveram esperança com a Lei Maria da Penha (LMP), criada em 2006 para protegê-las. Mas a lei ainda está longe de acabar com a realidade cruel vivida por elas. A falta de estrutura para cumprir a legislação é o principal entrave.
Nesta quarta, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo que mostra que os assassinatos de mulheres dentro de casa se mantêm praticamente no mesmo patamar em dez anos (veja infografia ao lado). Mas o órgão considera que isso já é um avanço, porque as mortes “deixaram de crescer” cerca de 10% depois da LMP. Para chegar a esse dado, a pesquisa compara as taxas de homicídios em residências entre homens e mulheres. “Os índices de assassinatos como um todo aumentaram (no país), mas, na contramão disso, a lei conseguiu conter os homicídios de mulheres dentro de casa”, considera o diretor de Estudos e Políticas do Ipea, Daniel Cerqueira.
Para a desembargadora Evangelina Castilho Duarte, essa comparação é complicada. “O homicídio de homem aumentou porque a violência social, o tráfico e as brigas cresceram. Já os registros das mulheres têm uma origem mais refinada. O crime é praticado em razão de uma violência doméstica inserida em um contexto de machismo”, explica Evangelina, que é superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.
Maria da Penha Maia Fernandes, 70, a mulher que deu origem à lei após levar um tiro do marido e ficar paraplégica, acredita que as mortes por violência doméstica estão no mesmo nível porque nos municípios menores a legislação não foi implementada de fato, com políticas públicas. “Só em 2013, todas as capitais passaram a ter equipamentos que fizeram a lei sair do papel”, destaca.
Gerente do Centro de Apoio à Mulher-Benvinda, em Belo Horizonte, Daniele Caldas cita entraves e avanços. “O número de profissionais em delegacias e defensorias, por exemplo, é insuficiente. As medidas protetivas são concedidas de maneira mais rápida do que há quatro anos. O problema é que o oficial de justiça nem sempre consegue ‘avisar’ ao agressor”, diz.
Em 6 de junho de 2014, data que faz questão de lembrar, Juliana* achou que o sofrimento acabaria. “Criei coragem, sai de casa e fui à delegacia, mas o meu medo aumentou, e minha vida é um inferno. Não adianta ter a lei se não há como cumprir”, afirma. (Com agências)
Só 1%
Até 2013, as instituições do sistema de Justiça especializadas no atendimento e processamento das ações das mulheres em situação de violência estavam presentes em menos de 1% dos municípios brasileiros. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, o número de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher e de Varas Adaptadas de Violência Doméstica e Familiar, somados, em fevereiro de 2015, era de 101.
Expansão
O Projeto Casa da Mulher vai implantar, até o fim de 2016, um local de acolhimento para mulheres que sofrerem agressão por parte do companheiro. Nessas casas, as vítimas contarão com serviços especializados, como delegacia, juizado, defensoria, promotoria e equipes psicossociais. A iniciativa é importante ainda para que elas possam recomeçar a vida profissional, com orientação sobre emprego e renda. O objetivo é que os serviços possam ser oferecidos de maneira humanizada.
*Nome fictício