A criação do Belvedere III, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e o adensamento de bairros vizinhos, como o Vila da Serra, em Nova Lima, na região metropolitana, causou um impacto ambiental e o aumento da temperatura na capital, já que fechou uma entrada de ventilação natural para a cidade.
Além de prejudicar a visão da serra do Curral, estudos de dez anos atrás já previam que a continuidade no adensamento do bairro provocaria o aumento da temperatura em cerca de 1ºC e a queda da umidade relativa do ar na faixa de 10%. A geógrafa Lilian Machado observou a concretização desse prognóstico em uma pesquisa de mestrado apresentada no ano passado, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Segundo ela, um primeiro estudo de 2007 já recomendava a revisão da legislação construtiva local para evitar esses impactos. “No entanto, o que se observou nos últimos anos foi uma maior permissividade das leis que resultam no aumento de gabaritos no Vila da Serra, tornando os efeitos previstos ainda mais potencializados e criando núcleos de calor nesses bairros, além de possível prejuízo à ventilação natural”, afirmou Lilian. Na pesquisa, a diferença de temperatura no Vila da Serra entre áreas verticalizadas e espaços arborizados chegou a 10ºC.
Condenação. Quase 30 anos depois de iniciada a verticalização no Belvedere III, o Ministério Público de Minas (MPMG) obteve na Justiça a sentença condenando os empreendedores que implantaram o bairro.
Nessa quinta-feira (31), O TEMPO mostrou que as 11 empresas deverão pagar uma indenização de R$ 27,8 milhões pelo dano irreversível ao patrimônio, tombado desde 1960 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A delimitação da área pelo órgão, porém, só ocorreu no ano passado.
Destes, R$ 15 milhões são por danos morais coletivos e R$ 12,8 milhões por danos materiais. O órgão havia concluído, em 2004, que as edificações ali obstruíram a visibilidade da serra do Curral e a Ação Civil Pública foi proposta em 2011.
No parecer que condenou as 11 empresas, o juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 2ª Vara de Fazenda Pública Municipal, afirmou que elas enriqueceram ilicitamente, pois descumpriram a legislação. “Nenhuma ação que for desenvolvida atualmente poderá viabilizar a desobstrução da paisagem da serra do Curral”, escreveu.
A criação do bairro foi permitida por meio de uma modificação na lei de uso e ocupação do solo, em 1988, durante a gestão de Sérgio Ferrara. De lá para cá, o número de edifícios de alto padrão só cresceu.
Saiba mais
Construtoras. A reportagem entrou em contato com o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-MG), mas a entidade informou que não opinaria, pois não conhecia o inteiro teor do processo.
Futuro. A decisão da Justiça também prevê que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) pague multa diária de R$ 10 mil, caso aprove novos empreendimentos na região sem a prévia anuência do Iphan e do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPC-BH). A reportagem entrou em contato com o Iphan e com o município na tarde dessa quinta-feira (31) para saber qual a situação atual do Belvedere III, mas não obteve retorno.
Obras no local desobedecem plano diretor
A supressão da paisagem da serra do Curral em Nova Lima também desobedece o plano diretor da cidade. A geógrafa Lilian Machado cita no seu mestrado que vários projetos de edificações no bairro Vila da Serra foram aprovados com aumento de coeficiente construtivo em 50%, por uma brecha na legislação, interferindo na percepção da serra do Curral.
Ela cita ainda a construção do novo edifício Concórdia, com um total de 43 andares e 170 metros de altura, que poderá trazer mais interferências no microclima em seu entorno e prejuízos à vegetação.