O juiz Amaury de Lima e Souza, da comarca de Juiz de Fora, na Zona da Mata, foi interrogado, na manhã desta quarta-feira (17), em Belo Horizonte, na fase preliminar do processo. O interrogatório durou quase quatro horas e o juiz negou todas as acusações as quais responde.
São elas: o envolvimento em organização criminosa, a colaboração com associação para o tráfico de drogas, a posse irregular de arma de fogo de uso permitido, conexão com outras organizações criminosas independentes, corrupção passiva, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores e posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.
O réu foi preso após o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) receber a denúncia do Ministério Público contra ele. Atualmente, o magistrado permanece detido no 18º Batalhão de Polícia Militar, em Contagem. Segundo ele, o local em que está é um “cubículo” e a comida é “horrível”.
Por isso, ele pediu encarecidamente ao desembargador Antônio Carlos, que está com o caso, para que seja transferido, no mínimo, para prisão domiciliar. O desembargador pediu para que a defesa apresentasse formalmente este pedido para ser analisado.
O interrogatório aconteceu no Palácio da Justiça, no centro da capital, e foi acompanhado pela população. A ação contra o juiz é avaliada diretamente pelo TJMG, porque, devido ao cargo, o magistrado possui foro privilegiado.
Esclarecimentos
“Me declaro inocente. Estou sendo alvo de denúncias impensáveis e de teor absurdo. Nunca facilitei nada para ninguém nestes mais de 20 anos de magistrado. Me sinto perseguido e no último ano recebi mais de 300 telefonemas de ameaças dizendo que era para eu me afastar da Vara de Execuções ou então sofreria as consequências”. Essas foram as palavras do réu para se defender. Durante o interrogatório, ele negou todas as acusações.
O juiz também disse que ganhava entre R$ 12 mil e R$ 16 mil líquidos por mês do TJMG, e que metade desse salário vai para a ex-esposa, como pensão. Além disso, ele também disse que recebe entre R$ 1.200 e R$ 2 mil de armas que ele aluga para uma escola de tiros. Segundo o réu, que mantém um arsenal, as armas que possui são legalizadas pelo exército.
Souza também mantinha em casa cerca de R$ 250 mil guardados, dinheiro que alegou ter sido juntado nos últimos oito anos. Ele disse que com esse dinheiro, deu entrada de cerca de R$ 90 mil em um apartamento para os filhos, ajudou a filha a comprar um carro de luxo e deu um Camaro no valor de R$ 120 mil para a atual mulher. Inclusive, o réu contou que a esposa queria esse carro de qualquer jeito e que ela consegue tudo o que quer porque é muito persistente. “Ela faz da minha vida um tormento”, disse.
Sobre o motivo de guardar tanto dinheiro em casa, o acusado disse que é porque tinha dívidas em bancos e por isso tinha medo de depositar o dinheiro, já que o banco poderia retê-lo.
Já sobre a transferência de um preso para regime domiciliar, ele contou que fez isso porque entendeu que seria justo naquele momento, e que no caso da transferência de outro preso de um hospital público para um privado, ele entendeu que o pedido estava dentro da lei e que não haveria motivo para recusá-lo. Mas enfatizou que nunca recebeu nada por isso.
Ele também é acusado de se envolver com a advogada dos traficantes que beneficiaria, que seria uma espécie de intermediadora dessas negociações, mas disse que se encontrava frequentemente com ela por outro motivo: eles teriam um relacionamento extraconjugal. Mas o réu disse que esse relacionamento aconteceu quando estava dando "um tempo" com a sua atual esposa.
O que vem depois
Após a fase preliminar, em que o acusado foi interrogado, o próximo passo é a fase de instrução, onde serão ouvidas oito testemunhas de acusação e oito de defesa. Essas testemunhas serão intimidas nos próximos 30 dias para prestar depoimento. Quanto a defesa do réu, foi dado um prazo de cinco dias para que ela apresente a defesa inicial de Souza no processo.
Relembre o caso
O juiz da Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, na Zona da Mata, Amaury de Lima e Souza teve sua prisão preventiva decretada na tarde do dia 14 de junho de 2014, durante uma sessão extraordinária do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Geras (TJMG). A justificativa dos desembargadores para negar o pedido de relaxamento de prisão feito pela defesa é a participação do magistrado em uma quadrilha de tráfico internacional de drogas desmembrada durante a Operação Athos, em junho deste ano.
Um dos delegados envolvidos na operação confirmou à reportagem de O TEMPO que Souza era um dos integrantes do grupo criminoso e que, além de usar sua influência para beneficiar os criminosos, como divulgado anteriormente, coordenava a parte jurídica do esquema.
A relatora da sessão foi a desembargadora Márcia Milanez, que além do flagrante de porte ilegal de armas, analisou todo o contexto da investigação feita pela Polícia Federal. Ela entendeu ser imprescindível a manutenção do magistrado preso.
Na sessão, ela alegou que o juiz tinha relação direta com traficantes de drogas e citou um vídeo feito pela polícia no qual ele recebe uma sacola de dinheiro da advogada Andrea Elizabeth Leão Rodrigues, também presa durante a Athos. A suspeita é que ele tenha usado esse dinheiro para comprar um Chevrolet Camaro e um apartamento de luxo. Os bens foram adquiridos poucos dias depois do encontro.
A desembargadora alegou ainda que ele pode ter influência direta sob testemunhas e chamou a atenção para a possibilidade de uma tentativa de eliminação de provas e de fuga.
Amaury de Lima e Souza ficou detido no 39º batalhão da Polícia Militar, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde, de acordo com informações do TJMG, ficará por tempo indeterminado. Participaram da sessão 25 desembargadores, mas 20 votaram. Os cinco que compõem a direção não votam. Todos foram favoráveis ao parecer da relatora – o magistrado fica detido até o fim das investigações e o julgamento.
Investigação
As investigações que desencadearam a operação Athos começaram há seis meses, mas, de acordo com informações da Polícia Federal, o nome do magistrado surgiu ao longo do processo. Um dos delegados contou que o nome dele consta como membro do grupo criminoso há cerca de três meses. A partir disso, ele passou a ser monitorado e sua relação com a advogada é uma das principais provas de ligação com a quadrilha.
Ele foi detido em junho deste ano, em Juiz de Fora. Além da participação no esquema, ele é suspeito de porte ilegal de armas.
Perfil
Amaury Souza virou juiz em 1990, passou pelas cidades de Mercês, Teófilo Otoni, Mar de Espanha, Águas Formosas e, em 2003, foi para Juiz de Fora, onde ficou até junho de 2014.
Entenda
Athos. Deflagrada na última terça-feira pela Polícia Federal (PF) em Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, a operação Athos desmembrou uma quadrilha de tráfico internacional de drogas e de lavagem de dinheiro que faturava cerca de R$ 20 milhões por mês. As drogas eram trazidas da Bolívia para Juiz de Fora, na Zona da Mata, e distribuídas pelo Brasil.
Nome. Segundo a PF, o grupo contava com uma rede de tráfico de influência, e os suspeitos viviam vida considerada luxo, sem medo de ser presos. Daí o nome da operação, uma referência ao deus grego conhecido por nada temer.
Prisões. Foram detidas 19 pessoas, dentre elas a advogada Andrea Elizabeth Leão Rodrigues, que fazia a ligação do juiz Amaury Souza com outros presos na operação, também preso. Na casa dele, havia várias armas, inclusive de uso restrito das forças policiais
Luxo. Foram apreendidos 32 carros, 11 imóveis, sete aviões, seis lanchas e uma moto aquática, avaliados em cerca de R$ 70 milhões. Também foram apreendidos 600 kg de cocaína e quase duas toneladas de maconha.