Um estudo divulgado ontem pela Polícia Federal (PF) aponta um aumento expressivo de adulteração da cocaína apreendida em Minas Gerais pela corporação. Amostras da droga foram analisadas nos últimos nove anos e se constatou que, em 2007, 78% delas eram “puras”. Em 2016, 79,2% apresentam uma ou mais substâncias diferentes a do entorpecente.
Foram usadas no levantamento 543 amostras e, além de um crescimento significativo de cocaína adulterada, os dados também revelam que as substâncias incorporadas à droga também têm mudado ao longo do tempo. Agora, além das mais comuns cafeína e lidocaína, agentes cancerígenos e muito mais tóxicos, como a fenacetina e o levamisol, estão sendo acrescidos (veja mais detalhes abaixo).
De acordo com o estudo feito por quatro especialistas, essas substâncias são adicionadas para aumentar o volume da droga e os lucros com a sua comercialização. Além disso, elas também podem servir para ampliar ou reduzir os efeitos do entorpecente pela incorporação de produtos mais baratos. “O traficante não está interessado no que o produto vai provocar no dependente, ele só está pensando no dinheiro. Ele vai vender o que ele tiver, por isso, essa questão da adulteração é só lucro para eles”, avaliou Jorge Tassi, especialista em segurança pública e prevenção à violência.
Os pesquisadores também afirmam que o Brasil é o principal consumidor de cocaína da América do Sul e o segundo do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Estima-se que a prevalência de uso de cocaína entre a população adulta brasileira seja de 1,75%.
Amostras. A fenacetina é a substância mais encontrada na cocaína nos últimos anos e a mais nociva. Entre 2011 e 2014, esse mesmo grupo de pesquisadores teve acesso a 642 amostras da droga apreendidas pela PF e, nesse período, 47% apresentavam o adulterante. Antes, de 2007 a 2010, em menos de 2% das porções avaliadas tinha a fenacetina.
Segundo o estudo divulgado ontem, esse aumento no uso da fenacetina se deve, possivelmente, ao custo- benefício que a substância traz. “Ela possui grande semelhança física ao cloridrato de cocaína, de forma que a sua adição à droga pode ser realizada sem quaisquer sinais de modificação a olho nu pelos usuários”, explica a pesquisa. Além disso, esse resultado mostra um dado preocupante, já que trata-se de um agente reconhecidamente cancerígeno e com várias propriedades tóxicas.
O estudo ressalta que a presença dessas substâncias é algo que foge do controle das autoridades. “Por se tratar de um comércio ilícito, não existe nenhum controle de qualidade do produto que chega ao consumidor final e é comum a adição de adulterantes”, afirma a pesquisa. Existem bibliografias que mostram 48 aditivos usados na cocaína.
Na conclusão do estudo, os pesquisadores afirmam que isso deveria servir como um “alerta para os usuários de cocaína, para a comunidade médica e para os governos”. (Com Letícia Fontes/Especial para O TEMPO)
Veja quais são as substâncias mais usadas para adulterar a cocaína
Fenacetina. Substância foi introduzida no mercado farmacêutico em 1887, tendo sido o primeiro produto antitérmico sintético a ser utilizado comercialmente. Contudo, muitos casos de tumores pélvicos, renais e no ureter foram relatados por pacientes que utilizavam fenacetina regularmente, o que motivou sua retirada do mercado. No Canadá, foi proibido em 1978, em 1980, no Reino Unido, e em 1983, nos Estados Unidos.
Levamisol. Fármaco anti-helmíntico, que combate vermes, e de uso veterinário. Desde 2000 encontra-se banido nos EUA devido aos efeitos adversos relacionados ao seu uso em humanos. É utilizado na adulteração da cocaína por se tratar de um produto de baixo custo, com propriedades físico-químicas similares à cocaína e por ser acessível como medicamento veterinário.
Lidocaína e benzocaína. Ambas possuem ação anestésica semelhante à da cocaína. Níveis de lidocaína no sangue entre 6 microgramas/mililitro (mcg/mL) e 10mcg/mL são associados a distúrbios visuais, espasmos musculares, inconsciência e convulsões. Já níveis de lidocaína em 15 mcg/mL estão associados ao coma e acima de 20 mcg/mL, à parada cardiorrespiratória.
Cafeína. Substância estimulante do sistema nervoso central, presente em alimentos e em bebidas. Seu uso pode aumentar a toxicidade de substâncias psicoestimulantes por alterar a regulação da temperatura corporal, reduzir o limiar convulsivo e reforçar os efeitos estimulantes da cocaína.
Aminopirina. Fármaco com propriedades analgésicas e anti-inflamatórias. Apresenta como reação adversa grave risco de alteração no sangue.
Números
100 % das amostras analisadas em 2015 estavam adulteradas.
85,4% da cocaína analisada pelos especialistas em 2014 estava adulterada.
79,2% da droga em 2016 estava adulterada. Houve queda em relação a anos anteriores.
Menos lucro
Redução no plantio da coca motiva alteração da droga
De acordo com a pesquisa divulgada ontem pela Polícia Federal (PF), além das perspectivas de aumentar o lucro, uma das possíveis justificativas para o aumento do uso de substâncias para adulterar a cocaína pode estar relacionada com a redução da área de plantio dos países produtores. Em 2013, o espaço de cultivo chegou ao seu menor índice desde os anos 1980. Além disso, o uso da cocaína combinada a outras drogas lícitas e ilícitas, e à violência a que os usuários estão expostos, aumenta os riscos dessas substâncias à saúde.
“É preciso realizar projetos de informação dessas drogas para a sociedade, para que se entenda o perigo e os efeitos no organismo. É importante também estudar formas de controle dessas substância, o que só seria possível com a legalização. No caso da cocaína, isso seria impensável visto as consequências para o corpo humano. A cocaína destrói o cérebro. No caso de outras drogas, como a maconha, seria necessário discutir melhor as questões com a sociedade”, avalia o especialista em segurança pública e professor da Una, Jorge Tassi.
Ele acredita que o processo de adulteração também pode acontecer com várias outras drogas, como a maconha, por exemplo. “Dependendo das substâncias utilizadas em sua composição, a maconha tem o potencial de viciar o usuário”, conclui.
O estudo da PF ainda sugere que seja criado um sistema nacional de alerta de identificação de novos adulterantes. (BF/LF)