Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que desenvolve uma vacina para o tratamento de dependentes de cocaína, corre o risco de ser paralisada após três anos por falta de financiamento. Para terminar o projeto, os pesquisadores precisam de R$ 800 mil. De acordo com os estudiosos, a falta de editais tem sido o obstáculo.
O estudo desenvolveu uma molécula que estimula a produção de anticorpos contra a cocaína no sistema imunológico. Esses anticorpos capturam a droga, impedindo-a de chegar ao cérebro.
Segundo o coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da UFMG, Frederico Duarte Garcia, que estuda a vacina em parceria com o professor Ângelo de Fátima, do Departamento de Química Orgânica, os testes em animais estão sendo concluídos. Porém, ainda faltam as etapas de segurança e eficácia, que demandariam R$ 300 mil e R$ 500 mil, respectivamente.
“É muito triste, pois, além da questão de não trazer uma resposta social para um problema que é muito prevalente, como a dependência da cocaína, com isso perdemos a oportunidade de produzir soluções inovadoras”, destacou.
A primeira fase da pesquisa custou R$ 40 mil, sendo que R$ 30 mil foram obtidos por financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e R$ 10 mil de recursos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, por meio do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq).
“O desenvolvimento de qualquer produto farmacêutico passa por etapas crescentemente caras. É importante que tenha uma empresa que faça isso também e ter esse parceiro para desenvolver”, afirmou Paulo Sérgio Lacerda Beirão, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig.
Uma solução para o problema seria uma parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). “É uma parceria que a Fapemig faz com órgãos federais utilizando recursos do Fundo Nacional de Saúde”, disse, ressaltando que a chamada será publicada neste mês. A previsão é que o projeto receba R$ 6 milhões.
Consumo
No mundo. Segundo o Escritório de Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas (UNODC, na sigla em inglês), o consumo de cocaína no Brasil já é quatro vezes a média mundial.
Saiba mais
Pesquisa. Consiste na modificação do sistema imunológico por meio da vacina. Os anticorpos produzidos modificam a farmacocinética (“percurso”) da cocaína, reduzindo de 75% a 90% a fração livre da droga na corrente sanguínea. Esse bloqueio impede a entrada das moléculas de cocaína no sistema nervoso central e minimiza os efeitos euforizantes e reforçadores da droga, fazendo o usuário desinteressar-se.
Animais. Os ratos que foram vacinados, quando receberam uma dose da droga, não perceberam o efeito dela e, com isso, não ficaram “desinibidos” ou “agitados” como o grupo que recebeu o placebo – substância inativa.
Dados. Segundo a pesquisa Conhecer e Cuidar, feita em 2015 pela UFMG, a cada cem moradores de Belo Horizonte, 16 enfrentam problemas ligados à dependência química – o equivalente a 408 mil pessoas. Desses, 303,9 mil consomem bebidas alcoólicas (12,2%); 69,7 mil usam maconha (2,8%); 29,8 mil, cocaína (1,2%); e 4.900, crack (0,2%).
Incentivo
Estudiosos saem do país para ter apoio
A falta de financiamento tem sido problema recorrente e tem levado muitos pesquisadores para fora do país, segundo Frederico Garcia. “Só no meu departamento, perdemos quatro cérebros de qualidade que foram pesquisar fora. Se não pensarmos na pesquisa, teremos problemas muito sérios nos próximos anos. Quando acabar o minério, a água, o que sobrará serão os cérebros”, disse.
O orçamento da Fapemig está previsto na Constituição de Minas Gerais e corresponde a 1% da receita orçamentária corrente do Estado. Segundo o Portal da Transparência, em 2015, o Estado empenhou (valor reservado do orçamento) R$ 360,6 milhões e, em 2016, R$ 303,2 milhões. Neste ano, até o momento, a quantia é de R$ 42,5 milhões. Segundo o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, cerca de 30% dos projetos inscritos na instituição recebem financiamento.
Por meio de nota, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação nega que não tem novos editais abertos. (LF)