Obrigada a se mudar do bairro Jaqueline, em Venda Nova, para o Aparecida, na região Noroeste da capital, para reduzir de seis para quatro suas conduções diárias, a universitária Jéssica de Almeida, 22, poderia se beneficiar do projeto de lei elaborado pela Assembleia Popular Horizontal (APH) para instituir o transporte público gratuito para a capital, chamado de tarifa zero. A proposta polêmica divide especialistas, que convergem apenas na necessidade de se criar novas fontes de renda para que o Executivo cubra o subsídio – estimado em R$ 1 bilhão por ano. Assim, novos tributos e o aumento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) para imóveis mais caros seriam as opções para custear o sistema sem as passagens.
O cálculo é do professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) Gustavo Fernandes. Baseado no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ele atualizou o custo do sistema de ônibus, estimado pela Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), em 2007, em R$ 748,7 milhões. O valor atual – R$ 1 bilhão – equivale a quase 15% da receita total do município (R$ 7,3 bilhões). A BHTrans e a APH chegaram, por meio de contas próprias, ao mesmo gasto. “A prefeitura já tem que gastar 15% com saúde, 25% com educação. Para suportar, é preciso criar demandas para a população, como impostos”, diz Fernandes.
O professor de Licitação Pública da FGV/IBS Eduardo Guimarães também faz ressalvas quanto à viabilidade da proposta. “Sabemos que não há verbas suficientes. Vai ter que tirar de algum lugar, porque o orçamento é todo amarrado”.
Com a mesma opinião, o professor do Departamento de Economia da PUC São Paulo Antônio Carlos Moraes afirma que o primeiro passo é avaliar os custos reais do sistema e se planejar. “Não podemos dar um passo maior que a perna. Se equalizar as finanças, o sistema pode piorar”, diz.
Argumentos. Na visão da APH, já há verba suficiente. O dinheiro sairia de projetos de mobilidade urbana que hoje privilegiam, segundo eles, o transporte individual. Somente o Corta-Caminho – projeto da prefeitura que prevê obras para descongestionar o hipercentro – foi orçado em mais de R$ 1 bilhão, entre os anos de 2014 e 2017. “Tem que haver uma inversão de prioridade. Só medidas como a retirada do cobrador e o embarque e desembarque mais rápidos reduziriam em 25% os custos do sistema”, argumenta André Veloso, economista e membro da APH.
Enquanto o projeto segue em debate, a estudante Jéssica sonha com um transporte melhor e mais barato. “Acho a tarifa cara. Mesmo se não tivéssemos o passe livre, queria uma redução nas passagens”.
Trânsito
Um dos reflexos da tarifa zero, segundo a APH, será a redução de carros nas ruas, pois o uso do transporte público será estimulado. Eles defendem que, nos horários de pico, os carros ocupam mais de 75% dos espaços das ruas e transportam menos de 30% dos passageiros. Já os ônibus ocupam 8% dos espaços e transportam mais de 65% das pessoas. Quem usa carro e moto também seria beneficiado.
Qualidade
Já contando com uma demanda reprimida – que virá de pessoas que hoje não utilizam os ônibus – em função do estímulo ao transporte público, os manifestantes defendem que a tarifa zero esteja ligada à qualidade. A criação de um Conselho Deliberativo de Mobilidade Urbana garantiria os investimentos necessários. A APH pede ônibus mais modernos, aumento da frota e maior acessibilidade, dentre outros itens.
Dinheiro
De acordo com a proposta, um Fundo Municipal de Mobilidade Urbana agruparia a verba que subsidiaria passagens e investimentos. O dinheiro viria de obras de mobilidade urbana, impostos, publicidade dos ônibus e até do valor dos vales transportes, que continuariam repassados pelas empresas e não mais cobrados dos trabalhadores. O Conselho Deliberativo seria o gestor do fundo.
Economia
Com a tarifa zero, a APH acredita que a economia da cidade será incrementada, pois as pessoas poderão se locomover mais facilmente – inclusive nos fins de semana – e, assim, consumir mais. Prejuízos decorrentes dos congestionamentos também seriam evitados e, por fim, o Estado economizaria em impactos ambientais e na saúde pública, segundo o grupo, resultantes do trânsito ruim.
Saiba mais
Assessoria. A OAB–MG auxiliou a Assembleia Popular na criação da proposta de alteração da Lei Orgânica do Município. O projeto é constitucional, mas pode, no futuro, ser questionado na Justiça.
Isenções. A prefeitura gasta R$ 4,6 milhões por ano para o meio-passe de 10 mil estudantes. Cerca de 10% dos usuários são idosos, que têm gratuidade.
Experiências. Um dos exemplos bem sucedidos da tarifa zero é Tallin, na Estônia, que aboliu a passagem no início do ano e reduziu os carros nas ruas. A Câmara de Natal (RN) aprovou, na última semana, o meio-passe estudantil.