A cada fim de ano, Andréa Diniz e Edmundo Correa passam a régua na programação do Matriz e elegem o que aconteceu de melhor na casa, em termos de shows. Disso, nasce a programação do Matriz Solidária, que chega a sua 13ª edição em 2014, com a apresentação de dez bandas, neste domingo (21).
Os critérios de seleção dos grupos se mantêm os mesmos desde 2002, quando o projeto estreou. “Todos precisam ter um trabalho autoral e já ter tocado no Matriz anteriormente”, explica Edmundo, que além de proprietário junto com a sócia e esposa Andréa, também atua como curador. “Há muita banda boa. Às vezes, é difícil escolher quem vai tocar, mas, sempre, o que mais importa, é a qualidade do som que produzem”, completa ele.
Criadora da iniciativa, Andréa conta que o Matriz Solidária surgiu não apenas para reunir a turma presente na casa nas temporadas mais recentes. A motivação maior, de acordo com ela, é arrecadar alimentos e brinquedos para algumas creches da cidade localizadas na região Norte. Edmundo frisa que, nesse caso, eles também não apoiam quem desconhece o empenho.
“Eu cresci no bairro Primeiro de Maio, e vem disso o nosso cuidado com esses espaços. Nós achamos que essa é uma forma de ajudar outras pessoas e especialmente aquelas que estão batalhando há muito tempo pelos direitos dos outros”, afirma ele.
Programação
Desta vez, vão se apresentar RFT, Giu Comini, Rocketwist, Hevana, Tia Marei, Evil Matchers, Dead Pixiels, Montese, Drowned, Certo Porcos, The Hells Kitchen, Slama, Pelos, The Us e Dopaminas. Rodrigo Facada, integrante do Dead Pixels, uma das atrações do evento, reforça que uma qualidade do Matriz Solidária é a maneira como une o prazer de uma confraternização com a intenção de promover uma ação beneficente. “Há aquele momento de encontrar todo mundo, o que é muito legal, mas o principal objetivo, para mim, é contribuir para se alcançar espaços onde muitas vezes o ‘Papai Noel’ não chega. Fico realmente feliz em dar uma força para quem precisa”, diz o músico.
Essa atitude, de acordo com ele, resume um pouco da personalidade dos donos do Matriz. Rodrigo diz que conheceu Edmundo e Andréa quando o primeiro ainda administrava o Botecário, bar existente entre 1995 e 2000, pouco tempo antes de o casal inaugurar o Matriz, em 2001. Um traço comum entre os dois, para ele, é a generosidade com que tratam os grupos e o próprio público.
“É muito interessante como o Matriz se estabeleceu na cidade. Edmundo é um fomentador do rock aqui há muito tempo. Além disso, ele e Andréa são dois operados da cultura local. Ele conhece praticamente todo mundo do meio underground, consegue agregar muita gente, e várias pessoas se conheceram por meio de projetos, como o Matriz Solidária, que eles fazem”, observa o guitarrista.
Essa percepção não é isolada, o que prova a homenagem da Câmara Municipal de Belo Horizonte que concedeu, recentemente, a Edmundo e a Andréa o diploma de honra ao mérito pelo apoio que os dois dão ao cenário cultural. Conhecido pela maneira como conversa com diversas cenas de Belo Horizonte, do hardcore ao indie, passando pelo movimento black e soul, além da música eletrônica, Edmundo acumula vasta experiência desde a década de 1980.
Em 1985
Ao lado do irmão Marco Antônio Correa, ele abriu o Calabouço, que fez sucesso no bairro Primeiro de Maio, onde surgiu. Maurício Tizumba, recorda ele, era um dos frequentadores que agitava o lugar com os batuques de festejos, a exemplo da Folia de Reis.
“O Calabouço foi erguido em parte do terreno da minha casa. Tizumba muitas vezes puxou festas que mobilizavam bastante gente. O lugar funcionava, assim, como um centro cultural que foi crescendo. Depois, nós chegamos a trazer Chico César, Zeca Baleiro e Toninho Horta. Ali, Tia Nastácia também fez o seu primeiro show”, lista Edmundo.
Foi lá que Andréa o conheceu. Para ela, o clima do lugar era diferente de tudo o que conhecia na cidade naquele tempo. “Olha, eu acho que até hoje o Calabouço é o bar mais legal que Belo Horizonte já teve. Nunca encontrei outro lugar capaz de reunir tanta gente legal como aquele”, elogia ela um tanto nostálgica.
Embora não mais exista o Calabouço nem o Botecário, muitos dos ingredientes que tornaram a história deles um sucesso parece se reverberar no Matriz, um dos mais longevos empreendimentos voltados para a cena alternativa. Edmundo vê essa trajetória com simplicidade e, quando reflete sobre sua relação com cada um desses espaços, ele percebe que em todos procurou sempre agir do mesmo jeito.
“Uma vez tive um gerente no Matriz que achava que nós não deveríamos ter tanto contato com as pessoas que frequentavam o lugar. Eu, depois, comecei a achar aquilo muito chato. Eu preferi deixar de ter um gerente, e eu e Andréa voltamos a assumir a linha de frente. Eu acho que as coisas funcionam melhor assim. Gosto de bater papo com as pessoas e de aprender a cada dia com elas”, afirma Edmundo.