São Paulo. Ver em “Mapas para as Estrelas” um filme contra Hollywood equivale a não ver “Mapas para as Estrelas”.
A cidade do cinema, nesta nova obra de David Cronenberg, é apenas o lugar onde um determinado modo de ser do mundo – contemporâneo – se instalou com mais intensidade, já que ali concentram-se celebridades, seus próximos, assessores e todos os demais que os cercam.
Trata-se de lugar a um tempo frenético, pueril, violento, incerto. Breve, de um resumo do mundo. É ali aonde chega Agatha (Mia Wasikowska), aparentemente deslumbrada com a perspectiva de passar diante das casas das estrelas do cinema.
Na verdade, ela é a filha indesejada de Havana (Julianne Moore) e do dr. Stafford Weiss (John Cusack). Ela, uma atriz – insegura como são com frequência as atrizes. Ele, um misto de terapeuta, guru de artistas e estrela de programa de televisão (portanto, uma espécie de celebridade das celebridades). Eles têm outro filho, um menino-prodígio, Benjie (Evan Bird).
O jovem ator que interpreta o papel talvez seja, no elenco, o mais cronenberguiano dos atores, com seu rosto discretamente anômalo. Outros personagens, no entanto, portarão de um modo ou outro alguma anomalia corporal, como Agatha, que nunca tira as luvas.
A palavra disfuncional talvez se aplique à família. Mas sua carga médica nos desvia do ponto cronenberguiano. Sua anomalia, que se mostrará aos poucos, expressa algo que vai além: tornar-se famoso, célebre, deixou de significar reconhecimento por um feito ou trabalho para ser a substância mesmo de seus atos.
Essa é a sua maneira de ser mutante (já não monstros físicos, como nos filmes do século XX do diretor canadense, mas monstros morais ou psíquicos). Assim era, também, o magnata de “Cosmópolis” (2012), cuja vida tinha por limite sua limusine, de onde controlava ou tinha a ilusão de controlar o mundo. Era a versão econômica, digamos, do fenômeno de que aqui Cronenberg observa a vertente cultural.
Do que serve a vida das personagens de “Mapas”? Que valores são esses que estamos construindo, que talvez não passem de deformação de valores anteriores? Se o magnata de “Cosmópolis” renunciava à vida para controlar seu ouro dia e noite, as celebridades de “Mapas” vivem apenas para preservar essa condição. Ou seja, não vivem. Eis um diagnóstico terrível. O canadense, que em outros tempos nos mostrava os terrores de um futuro incerto, agora nos atira ao labirinto de um presente não menos inquietante. Com brilho, sempre.