Apesar de divertido e bem realizado, “Capitão América: Guerra Civil” é mais um bom exemplo da infantilização do cinema hollywoodiano. O longa toma todo cuidado de não tocar em nenhuma polêmica, ou ser minimamente provocativo, para não ofender nenhum público potencial. E sempre que o roteiro começa a discutir temas mais adultos, o filme corta logo para uma explosão ou uma sequência de ação.
O irônico é que, nesse universo conservador dos blockbusters, acabou restando às animações serem as produções mais progressistas. Depois da Pixar flertar com Bergman em “Divertida Mente”, e da Disney fazer a dobradinha feminista “Frozen” e “Zootopia” – esse último um verdadeiro discurso contra o preconceito e o sexismo, que diz que meninas não nasceram para serem princesas, e sim o que elas bem quiserem – é a vez de “Angry Birds: O Filme”, que estreia hoje, defender o direito de sentir raiva.
A animação é um tratado contra a confusão entre ser bonzinho e ser idiota, e sobre a importância da indignação e de lutar pelo que é seu. E, se não é o primeiro longa infantil com um personagem abertamente gay, é um em que um integrante do trio central tem um sonho acordado, bastante erótico, com um herói musculoso.
Não que o filme atinja níveis Pixar de genialidade e subversão. A trama segue o pássaro Red (Marcelo Adnet, na dublagem nacional), ostracizado por seus pares devido ao temperamento explosivo. No entanto, quando porcos verdes começam a ocupar a ilha das aves e abusar da boa vontade delas, cabe a ele e seus colegas de terapia, Veloz (Fábio Porchat) e Bomba, desvendar o plano dos invasores folgados e salvar o local.
Não é difícil imaginar onde isso vai dar, e a trama não oferece nenhuma grande surpresa. Mas são as ótimas piadas sobre gentrificação e ioga, por exemplo, e as referências que vão de “O Iluminado” ao Quicksilver de “X-Men” que tornam desnecessário que os adultos apelem para o joguinho original no celular na sala escura, enquanto os filhos e sobrinhos se divertem com os bichos fofinhos na tela.
Em vez de tentar encontrar uma narrativa em um aplicativo banal usado para passar o tempo na sala de espera do dentista em 2011, o roteirista Jon Vitti (que trabalhou em “Os Simpsons” e “The Office”) usa o material como desculpa para uma comédia bem mais ousada que qualquer filme da Marvel. O roteiro toma seu tempo no início, dando personalidade aos pássaros do jogo e definindo as regras daquele universo, guardando a ação explosiva e desenfreada do aplicativo – esperada pelos fãs – para o bom ato final.
O tom mais adulto também é mérito da direção. Apesar de ambos estrearem no cargo, Clay Kaitis trabalhou em “Frozen” e “Detona Ralph”, na Disney, e Fergal Reilly em “Tá Chovendo Hambúrguer” e “O Gigante de Ferro”. Os dois garantem não só a excelência técnica da animação, mas que a irreverência do jogo se manifeste na zoação com o quanto mímicos, pessoas “distribuidoras de abraços” e música country são dignos de ódio, por exemplo.
Não é exatamente Shakespeare. Mas a expectativa para um filme do “Angry Birds” era tão baixa que o simples fato de o longa ser bem mais “Simpsons” do que “Alvin e os Esquilos” já é um enorme mérito dos realizadores. É uma pena que parte disso passe batido na versão nacional. Adnet faz um trabalho decente, mas a dublagem de Porchat, além de caricata, beira o ofensivo. O espírito do longa, porém, permanece ali. E se o destino de Hollywood é a infantilização, que pelo menos mantenhamos o direito de sentir raiva.
Mais estreias
Um autor decadente e outro em franca decadência chegam às salas da capital. O primeiro, Atom Egoyan, acompanha um velho com Alzheimer em busca de um soldado nazista em “Memórias Secretas”. E o segundo, Hou Hsiao-Hsien, venceu a Palma de melhor diretor em Cannes por “A Assassina”, filme de artes marciais na China do século VII. Além deles, “Sinfonia da Necrópole”, comédia musical de humor negro da brasileira Juliana Rojas, chega no Cine 104.
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