O que você já fez na Academia Brasileira de Letras desde sua posse na cadeira número 1, em 2003, até ser eleita presidente, no mês passado?
Nesse período de Acadêmica, fiz uma série de conferências no Brasil e no exterior, em muitas representando a ABL. Também escrevi e vou continuar escrevendo, além de fazer traduções. Mas, Acadêmica ou não, continuo muito dedicada às questões de incentivo à leitura. Viajo muito fazendo conferências sobre esse assunto. Sei muito bem que, hoje em dia, com as novas tecnologias, o livro não é mais o eixo central em torno do qual gira toda a cultura. Mas acho justo que todas as pessoas possam ter acesso a tudo o que a leitura pode nos trazer.
Sobretudo, continuo muito interessada em ler e escrever. E meus leitores se multiplicam por toda parte, o que me enche de alegria, mais até do que as traduções e os prêmios em diferentes países, que evidentemente me deixam contente. Mas só com um leitor é que o livro se completa.
Do ponto de vista de quem está dentro, que avaliação você faz sobre o conservadorismo da ABL em relação a um impulso de ousadia e de renovação?
Vá lá que ela possa ser chamada de conservadora. Mas acho que esse conservadorismo tem sido bastante abalado nos últimos tempos. E não apenas por um impulso de ousadia e renovação. São outros tempos para toda a sociedade, de mais abertura, novas tecnologias, fenômenos culturais complexos. A ABL tem acompanhado isso de perto e se converteu em um grande centro cultural aberto à sociedade, com programação variada, gratuita e muito prestigiada pelo público carioca. Compreende conferências, mesas-redondas, ciclos de filmes, concertos de música, de cinema, shows de MPB, exposições, apresentação de peças teatrais, publicações variadas. Além disso, vai além das fronteiras da cidade graças à internet - pode-se assistir de longe às conferências, por exemplo. E mais: tem um serviço eletrônico ótimo, a ABL Responde, que tira dúvidas sobre o uso da língua.
Anos depois, olhando em retrospectiva, o que ficou de mais marcante do seu aprendizado com Roland Barthes, que resultou no livro "Recado do Nome", sobre a obra de Guimarães Rosa?
Já havia começado o doutorado aqui no Brasil com Afrânio Coutinho. Saí por motivos políticos. Fui para a França e me inscrevi com Barthes. Foi um convívio maravilhoso, acabamos nos tornando muito amigos. Era uma pessoa muito doce, muito exigente, muito sarcástica. Ele leu Guimarães Rosa nas traduções francesas, que são muito, muito ruins. Para ele, foi uma revelação. Às vezes, eu chegava para falar de coisas da tese e ele estava querendo falar somente de Guimarães Rosa. Depois me indicou para um curso de verão com Umberto Eco, que também fiz, e foi outra experiência, outra cabeça privilegiada. Entre as coisas que me ficaram do aprendizado com eles, algumas foram marcantes: desconfiar das certezas, não querer impor interpretações ao texto, ser capaz de me deixar levar à deriva pela leitura...
A mídia costuma apresentá-la como autora infantojuvenil (vertente na qual se consagrou, é claro), preterindo, de certo modo, sua produção para adultos. A que você atribui esse recorte de olhar?
Talvez seja por uma certa inércia ou preguiça: é mais fácil sapecar um rótulo pronto em alguém do que se dar ao trabalho de examinar mesmo de quem se trata e o que essa pessoa fez. Mas, no fundo, é uma discussão adjetiva. O substantivo é literatura. No caso de literatura infantil, é uma produção que pode ser lida, entendida, apreciada e fruída também por crianças. Mas se ela não for apreciada e fruída por adultos, não é literatura. É apenas livro para criança.
Quando você escreve, em que ponto decide se o público de destino será criança ou adulto? E por quais critérios você o define?
Ganhei, em 2000, o Prêmio Hans Christian Andersen, que é um prêmio de literatura infantil. Na mesma época, em 2001, ganhei um Prêmio da Biblioteca Nacional, com um romance para adultos, "A Audácia de uma Mulher". E o Machado de Assis da Academia pelo conjunto da obra. Quer dizer, escrevo uma coisa e outra. E várias vezes, quando começo, não sei para quem vai ser.
A editora Salamandra está lançando os "Contos de Grimm" selecionados e traduzidos por você. A tradução foi feita de qual fonte? Entre inúmeras abordagens que esses contos recebem, qual recorte você quis dar?
Traduzi comparando três edições integrais, duas em inglês e uma em francês. O projeto inicial era para outra editora, a Nova Fronteira, que pretendia publicar todos os 211 contos recolhidos pelos irmãos Grimm em 18 volumes. Fiz os seis primeiros, e eles depois desistiram. O critério foi ter variedade em cada volume. Não dei recorte algum.
Que caminhos você enxerga para a formação de leitores no Brasil, sendo que a maioria das crianças não tem exemplo nem em casa (posto que os pais leem pouco) nem na escola, onde os próprios professores muitas vezes não têm o hábito da leitura?
Ler permite sonhar, vencer angústias, desenvolver a imaginação, viver outras vidas, conhecer outras civilizações. Por isso, é natural que as pessoas gostem. Basta dar uma chance para que isso aconteça. Tem de ler dois, três títulos, até encontrar um que nos desperte. No caso da criança, dois fatores contribuem para esse interesse: curiosidade e exemplo. Assim, é fundamental o adulto mostrar interesse. Na casa onde cresci, um dos quartos havia sido transformado em biblioteca. O problema é que, no Brasil, poucas crianças vivem essa realidade. Nossos professores ainda leem muito pouco, porque a formação deles não dá ênfase a isso. É uma situação completamente contraditória. As salas de aula brasileiras estão cheias de gente que, apesar de não ler, tenta ensinar. Como esperar que os alunos se interessem? O propósito deve ser o de suprir essa falha, tornando os professores, primeiro, pessoas capazes de reconhecer, sozinhos e com segurança, a boa literatura.
Por outro lado, sobre a produção de literatura para crianças no país, você já declarou que, "ao contrário de outros países, aqui todo mundo quer escrever para crianças ou publicar para crianças". Por que o Brasil seria diferente nesse aspecto?
É uma ótima pergunta, mas não faço ideia de qual possa ser a resposta. Só posso arriscar uma hipótese. Talvez porque aqui tenha havido excelentes autores que adquiriram muito respeito e prestígio, então ficam como um modelo possível.
Como anda sua produção de poesia? Pode-se esperar mais livros como "Sinais do Mar"? E poesia para criança?
Continuo a escrever poemas. Se vai se tornar um livro no futuro, ainda não sei. Eu vou escrevendo, mas não faço projetos prévios. "Sinais do Mar" foi um livro muito especial para mim. Uma reunião de poemas que vim escrevendo ao longo de muitos anos. Todos sobre o mar. Não sei dizer para que idade de leitores eles se destinam. Por isso, quis que fosse bem neutro. Sem ilustração, apenas com um belíssimo trabalho gráfico. Escrevo literatura que possa também estar ao alcance das crianças. Em prosa ou em verso.