Mesmo sendo evidente a dimensão crítica dos trabalhos do artista polonês Zbigniew Libera, parece difícil conter o riso diante das suas criações, dentre as quais figuram aparelhos de musculação para crianças e bonecas um tanto distantes dos padrões de beleza aos quais estamos acostumados. Pois são justamente essas contradições que chamam atenção da artista e pesquisadora mineira Juliana Mafra, atualmente envolvida em uma investigação de doutorado sobre as múltiplas relações entre humor e arte contemporânea.
“Acredito que o ponto de partida dessa pesquisa tenha sido a leitura de ‘Bouvard e Pécuchet’, um romance muito bem-humorado no qual o Flaubert lança críticas bastante ácidas em direção à ignorância da burguesia que ganhava cada vez mais força no século XIX. Por conta dessas críticas, tanto ele quanto Baudelaire geraram grandes escândalos que terminaram em tribunais”, contextualiza a artista.
Inspirada pelo universo da literatura, dentro do qual a presença do humor parece mais comum que nas artes visuais, a artista dedicou-se à análise de trabalhos dos artistas contemporâneos Guto Lacaz, Francis Alys e do próprio Zbigniew Libera – cujo caminho artístico, não por acaso, esbarra em polêmicas judiciais semelhantes às enfrentadas pelos escritores do século XIX.
“Um dos episódios mais debatidos dentro da obra do Libera corresponde à criação de um campo de concentração a partir de peças de Lego. Tudo começou quando a empresa o convidou para a criação de um trabalho qualquer usando o brinquedo, numa espécie de ação publicitária, e acabou se surpreendendo com o resultado. No fim das contas, eles entraram com uma ação judicial contra o artista, retirada algum tempo depois pela própria organização”, resume Juliana, mais interessada na visão crítica que o artista oferece em relação aos brinquedos que circulam mercado afora.
“São vários os trabalhos em que o Libera altera levemente alguns brinquedos, trazendo à luz algum sentido encoberto pelo nosso costume. Em vez de uma boneca com mamadeira, por exemplo, ele cria uma cama de parto igualzinha à do hospital, mas do tamanho de uma criança”, exemplifica. Além disso, o artista já levou a museus e galerias de arte academias para meninos de 7 a 9 anos, assim como bonecas com pêlos sobre braços e pernas – prontas para serem depiladas por suas possíveis consumidoras (“You Can Shave Your Baby”).
“É justamente por serem trabalhos artísticos, e não brinquedos, que esses objetos nos fazem questionar sobre a influência dos brinquedos de verdade sobre as crianças, chamando atenção para sentidos educativos muitas vezes invisíveis aos nossos olhos”, observa a pesquisadora.
Enquanto associa a produção de Libera à ideia de humor negro, cunhada pelo fundador do surrealismo André Bretton, Juliana destaca a existência de múltiplos caminhos para a aproximação entre o riso e a arte contemporânea. “O Guto Lacaz, por exemplo, explora um humor muito diferente do Libera, mostrando mais interesse pela surpresa causada por usos inusitados de determinados objetos. O Francis Alys, por outro lado, se volta a um humor quase sem riso, mas capaz de provocar a emoção do espectador”, compara. Entre os trabalhos do artista belga, é bom dizer, figuram pessoas movendo montanhas com pás (“Quando a Fé Move Montanhas”) e outras, formando filas sobre a sombra de uma grande bandeira na Cidade do México (“Zócalo”).
“É interessante perceber que o humor nem sempre se aproxima do cômico, podendo tocar, por exemplo, a melancolia e até mesmo a falta de humor”, defende.