Zuza Homem de Mello, 84, concorda que o título de uma obra é a última etapa do processo. O escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014) dizia que a primeira coisa para se pensar ao escrever uma história era seu final. Com o musicólogo e jornalista paulistano, no entanto, aconteceu exatamente o contrário.
“O nome do livro me veio de cara. Já sabia que teria a palavra ‘Copacabana’ porque ela representa a plataforma, ou melhor, o ambiente adequado para o samba-canção despontar, com suas praias, romances, jornalistas famosos das revistas ‘O Cruzeiro’, ‘Manchete’ e ‘Última Hora’ circulando por ali. O som desse bairro era o samba-canção”, afiança Mello.
Ele acaba de lançar “Copacabana: A Trajetória do Samba-Canção (1929-1958)”, que, em mais de 500 páginas discorre sobre a formação e a influência do gênero no qual se consagraram Maysa, Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Nora Ney, Angela Maria, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Dick Farney e tantos outros.
A extensa produção demorou 15 anos para ser concluída. “Estava aqui nesse mesmo terraço de Indaiatuba (SP), onde tenho uma casa, esperando minha mulher para sair, quando escrevi o último parágrafo e falei: está pronto o livro. Você sabe, o final é uma coisa que a gente tem que andar atrás, às vezes demora mais do que se imagina, mas quando você o agarra, sabe que matou. Esse último parágrafo contém toda a história do samba-canção e a finalidade do livro”, destaca.
As tais palavras derradeiras acenam para o futuro: “Tom Jobim percebeu que a transição se findava, e o Brasil estava pronto para aceitar a grande novidade. A transição era o samba-canção, e a grande novidade, a bossa nova”, escreve o autor. “Toda a bossa nova é influenciada pelo samba-canção. A partir de Tom Jobim, depois Carlos Lyra, é só olhar a obra deles. O samba-canção foi a fase de transição para a modernidade, essa é a definição”, avalia.
Início. Em 2002, ao ser convidado para montar o repertório do álbum que o grupo vocal Trovadores Urbanos iria lançar com canções dos anos 50, Mello se viu de volta a um lugar que conhecia bem. O início do que culminaria no livro havia se dado muito antes. “Fui me deparando com músicas que conhecia desde a juventude. Ouvia no rádio, nos bares. O primeiro capítulo fala de um jovem paulista que vai passar férias no Rio e percebe as diferenças entre essas duas cidades. Esse jovem, naturalmente, sou eu”, afirma.
“A dificuldade desgraçada que tive para selecionar 12 ou 15 músicas para o disco me mostrou a qualidade extraordinária dessas canções e a quantidade. São músicas importantes, que todo mundo sabe assobiar, de cor e salteado. Quando você pergunta para uma pessoa se ela conhece ‘Mensagem’, gravada pela Isaurinha Garcia, ela vai dizer que não, mas se você canta ‘quando o carteiro chegou’, ela já reconhece”, garante Mello.
Nesse ínterim, o entrevistado se dedicou a outros trabalhos, incluindo o lançamento de três livros (respectivamente “Música nas Veias”, “Música com Z” e “Eis Aqui os Bossa-Nova”), o que adiou a finalização da menina dos olhos. “A literatura musical brasileira praticamente ignorava esse tipo de música. Nunca ninguém havia se debruçado com afinco sobre o tema. Achei que ele merecia um estudo profundo e amplo”, diz.
Para tal, Mello recolheu depoimentos de Jorge Goulart, Dóris Monteiro, José Ramos Tinhorão, Jairo Severiano, Orlando Silva e Radamés Gnatalli. E inovou ao pedir dois estudos diferentes sobre as letras de Lupicínio Rodrigues, um feito pela professora de literatura da Universidade de São Paulo (USP) Lilian Jacoto, e outro do psicanalista Jorge Forbes. “Queria um olhar diferente. O samba-canção ficou meio à deriva por conta da temática, que as pessoas começaram a chamar de brega a partir da bossa nova, que tinha letras leves. O samba-canção é a música dos fracassados do amor, o cara chora em cima das perdas, é sobre as várias maneiras sobre como o romance fracassa”.
Ao dividir os capítulos por temáticas, ao invés de cronologicamente, Mello elege os artífices do movimento. “Lupicínio é o grande letrista. Nora Ney, a grande voz feminina, e Dick Farney, a masculina”. E completa o raciocínio com uma provocação aliada a aula de história. “O samba-canção teve dez anos de auge, a Tropicália teve só dois. O primeiro da história é ‘Linda Flor’, do Henrique Vogler, de 29”.
- Portal O Tempo
- Entretenimento
- Magazine
- Artigo
Zuza Homem de Mello lança livro que analisa o samba-canção no país
A extensa produção de mais de 500 páginas demorou 15 anos para ser concluída
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp