Moyseis Marques comemora 20 anos de carreira com CD e DVD ao vivo

Poeta modernista, o norte-americano T.S. Eliot (1888-1965) cunhou uma bela frase para satisfazer os ávidos por novidades: “Arte nova é a arte velha acrescentada de alguma coisa”. Moyseis Marques nunca teve a intenção de soar mais moderno do que a modernidade, ou, como prefere o chavão “à frente do seu tempo”. Essa característica é mantida intacta no trabalho que revisita os seus 20 anos de carreira. Com 40 de idade, o mineiro de Juiz de Fora, criado na Vila da Penha, no Rio, que surgiu para o Brasil na efervescente cena da Lapa, mostra o que aprendeu e o que ensinou nesse breve período. 

Na acepção da palavra, as novidades ficam por conta de três inéditas: “Passatempo”, parceria com Claudio Jorge que batiza o CD e DVD ao vivo; a autoexplicativa “Sambaião”, feita com João Callado; e “Madeixa”, composta com Vidal Assis, que traz a participação do acordeonista Kiko Horta. A gama de parceiros e convidados é indicativa da diversidade presente na música de Marques, mas, para além disso, demonstra o espírito gregário que pauta as suas criações. Fundador dos grupos Forró na Contramão – com quem estreou no mercado fonográfico, em 2003 –, e Casuarina, Marques deixou ambos, mas manteve as portas abertas para a comunhão.

Repertório

O samba que abre o disco, “Ainda Gostas de Mim?”, fica entre a sagacidade de Noel Rosa e a malícia de Sinhô. Ciceroneado pelos repiques das percussões, o cantor exibe seu charme com a irônica estratégia de subestimar as próprias qualidades: “Hoje eu tô sem maquiagem/ Tô sem jogo de cintura/ Desliguei do personagem/ Dei descanso pra figura”, canta o anfitrião. “Profissional”, composta com o craque Nei Lopes, segue essa mesma toada e mantém a temperatura alta, com letra saborosa e ritmo de maxixe que induz a cintura a não ficar parada. “Panos e Planos” bota mais fervura na mistura, e a introdução do intérprete já diz tudo: “Quem não dança segura a criança!”. 

Com o ambiente propício para a gafieira, Marques resolve equilibrar o jogo com o lirismo de “Oitava Cor”, clássico de Luiz Carlos da Vila, e “Entre os Girassóis”, um descanso para a alma que não dispensa a precisão da melodia, arquitetada no violão do autor. O lado divertido volta à tona com a bem-humorada “Poeta É Outro Lance”, um dos grandes achados do lançamento. Dividindo os vocais com o companheiro de geração João Martins, Marques se esbalda nesse samba desavergonhado que presta tributo a mestres como Aldir Blanc, Paulo César Pinheiro, Nei Lopes e Chico Buarque.

Prezando pela simplicidade exaltada durante a canção anterior, o compositor enleva em sofisticação a envolvente “Bicho do Mato”, ainda no tom agitado de uma música que pede a dança. “O Lado Bom da Incerteza”, com Zé Renato, quebra a expectativa, ao acrescentar densidade e melancolia. “Madeixa” dá a senha para outro momento do espetáculo, quando o forró entra em cena. A princípio romântico, o bloco dedicado ao gênero nordestino logo revela a sua propensão para a sensualidade. Esse tom permanece em “Xodó de Lamparina”, “Amor de Sabiá”, e, inclusive, na versão para “Is This Love”, de Bob Marley. 

“A Barca dos Corações Partidos”, que deu nome à companhia cênico-musical carioca, introduz ancestralidade africana ao caldo. Na sequência, Laila Garin coloca sua voz a serviço da áspera “Juntando os Cacos”, cuja intrincada estrutura poética é acompanhada de perto por um arranjo caloroso, dando impressões de bolero a este samba. O clima de despedida começa a dar as caras em “Meu Canto É Pra Valer”, com seus intermináveis “laiá laiá”. Porém, quando se imagina que a festa está completa, surge um bônus. Marques encerra sua celebração cantando a aguda “Subúrbio”, com Chico Buarque: “A luz é dura, a chapa é quente/ Que futuro tem/ Aquela gente toda?”. Mais contemporâneo, impossível. 

Ouça faixa do novo álbum de Moyseis Marques: