São Jorge. Jorge da Capadócia. Jorge da Lida. Os nomes podem divergir, mas a popularidade do santo entre o povo brasileiro é invariável e, sempre, potente e dilatada entre diversas crenças religiosas. Desse contexto, surge uma provável dificuldade em retratar a vida dele nos cinemas: como contar a trajetória de um homem cuja história "pertence" a diferentes credos? A aposta foi feita pelo diretor, produtor e ator Alexandre Machafer em "Jorge da Capadócia", que estreia nesta quinta-feira (18) nos cinemas.
Uma concepção muito bem-estruturada na mente do diretor contribuiu para uma narrativa que retrata a história do santo guerreiro que viveu na região da Capadócia (localizada na atual Turquia) no ano 303 d.C, erguida longe de disputas. "Jorge deveria ter uma essência brasileira", diz Machafer ao explicar sobre o processo de concepção do personagem. Ele continua: "E também mostrar a garra que nosso povo tem".
Assim, a ideia foi de apresentar os passos do santo guerreiro de maneira a evidenciar um trajeto de superação, conflitos e fé que sobrepusesse uma possível concorrência entre seguidores da igreja católica, evangélicos e integrantes de religiões de matriz africana. A presença de Matheus Souza, roteirista ateu, ajudou também na busca pela imparcialidade.
Essa estrutura, juntamente com concepção do enredo feita por meio de consulta com historiadores e pesquisas, resultaram em um Jorge "humanizado". "A ideia foi aproximá-lo de todos nós. Assim como ele, todos nós temos dúvidas, medos e buscas constantes", resume Machafer.
Jorge foi um guerreiro exemplar condecorado como capitão do exército. Ele se viu em embate interno quando o Imperador Diocleciano, a quem servia, inicia uma perseguição tirana contra os cristãos. A dúvida entre seguir as ordens de seu comandante ou se manter fiel à própria fé desencadeia fatos que o levam à grandiosidade.
Guardadas as proporções, Machafer passou por confrontos similares ao protagonista do filme. Desde a ideia inicial até o lançamento foram 16 anos. Nesse ínterim, muitas dificuldades e dúvidas afligiram o diretor. Mas a persistência e a fé foram as armas utilizadas também por ele. "Contamos com um baixo orçamento, passamos por dificuldades durante as gravações na Capadócia e a pós-produção do filme levou cinco anos porque tivemos que fazer aos poucos", relata.
Além disso, o diretor se desdobrava em três, por assinar também a produção e interpretar o protagonista. A escolha desta última função, segundo ele, foi consequência de agendas apertadas dos então escolhidos para o papel. "Precisei fazer um trabalho mental muito forte. Pela manhã eu resolvia os problemas como produtor; à tarde, conversava com a chefia, tomava decisões artísticas e conversava sobre decupagem com o fotógrafo; e, à noite, eu ensaiava e conversava com a equipe".
Dragão à brasileira
A imagem clássica de são Jorge traz o santo montado em um cavalo branco empunhando sua lança, que está apontada para um dragão. Forte e presente no cotidiano dos brasileiros, essa cena não poderia faltar no filme. Por isso, a produção teve que investir na criação de um dragão digno da tradição.
Embora o tempo de cena do animal místico não seja extenso, é possível notar, sem dificuldade, um primoroso resultado. Detalhes e contornos, movimentação e estrutura do dragão levam a produção a outro patamar. Sem surpresa, alguns diriam que os efeitos especiais são “nível Hollywood”. Só que não.
"É um filme 100% feito por brasileiros. Na conversa sobre o dragão, pensamos em levar a produção para os Estados Unidos. Mas a produtora Tribbo, de São Paulo, comprou a ideia. Tivemos que ter paciência, pois foi um trabalho feito aos poucos. Mas isso custaria mais de R$ 1,8 milhões fora [do país] e não pagamos nem 10% disso", confessa.
Leia também: Salve Jorge e suas batalhas: um olhar sobre o filme 'Jorge da Capadócia'