O que sempre foi um hábito simples do mineiro, virou concurso sério com a pompa de jurados e shows de grandes artistas para celebrar a escolha do melhor tira-gosto de Belo Horizonte. É inegável que o Comida di Buteco abriu a vitrine para infinitos bares se tornarem conhecidos, fazendo jus a pratos de lamber os beiços. Mas, ao longo dos anos, o concurso também derrapou pela imposição de ingredientes específicos e patrocínios exacerbados. Por isso, a 15ª edição do Comida di Buteco, que começa neste fim de semana, chega repaginada com valores de vanguarda, como a escolha de bares mais espontâneos e geridos por famílias comuns, além da abertura de tema livre para criar os pratos.
A mudança de viés aconteceu depois que o Comida di Buteco perdeu um de seus idealizadores – Eduardo Maya abandonou a organização do concurso em outubro do ano passado por discordar de algumas limitações da competição. Porém, a gestora de botecos do Comida di Buteco, Maria Eulália Araújo, avalia que o racha serviu para conferir outro olhar sobre esta edição. “Foi uma separação sem briga, natural. Não podemos olhar isso como algo ruim. Queremos reforçar a cara do Comida di Buteco neste ano, prezando os bares espontâneos. Existem famílias que fazem trabalhos incríveis há anos, mas estão restritas à freguesia dos bairros”, diz.
Com o tema “Mais Amor e Mais Botecos, Por Favor”, a edição de aniversário do Comida di Buteco vai reunir 45 bares, sendo 25 deles estreantes – é o maior número de estabelecimentos novatos no concurso, desde a sua primeira edição, em 2000. Em uma cidade com mais de 12 mil botecos, Maria Eulália e a organização do evento percorreram 90 estabelecimentos da capital em uma semana para fazer uma seleção mista de bares. “Mantemos botecos conhecidos, que inovaram nas receitas, como o Café Palhares, mas investimos em bares recém-inaugurados e veteranos da capital que nunca participaram do concurso”, explica.
No time dos estreantes está o casal Ezio Moraes, 30, e Mariana Catarina, 32. Ele, gerente da construção civil. Ela, fisioterapeuta. Há um ano, os dois foram abandonando suas funções de formação para abrir o D’Leve Restaurante Bar, no Barro Preto. O estabelecimento é um legítimo boteco simples, que serve almoços de dia e vira bar à noite. Na primeira vez no concurso, o boteco vai mostrar um bolinho de língua em três versões: aveia com gergelim e mandioca, abóbora, e ervas com canela. “Abri o bar planejando entrar no Comida di Buteco. Agora quero poder mostrar meu bar para o resto da cidade”, avalia Moraes.
Outro estreante, mas veterano da capital, é o bar “Já To Inno”, que há 18 anos faz clientela fixa no Barreiro de Baixo e, ao invés das receitas simples, vai mostrar um sofisticado filé mignon suíno recheado com molho especial. O boteco nasceu do sonho do ex-bancário Washington Shessielb, 44, de largar o terno e a gravata para se dedicar à paixão por botecar. O nome sugestivo do bar nasceu de uma mesma desculpa displicente que um grupo de amigos dava quando as mulheres ligavam: “já tô indo pra casa, amor”. “Sempre teve esse clima aqui. Isso é complemento da cerveja gelada e do tira-gosto”, diz o dono.
Quem também começou compondo a clientela com os amigos foi João Augusto, 44, dono do veterano Barracão Bartiquim. O galpão anexo à casa da família, no bairro Pompeia, recebia amigos e parentes toda semana, até se oficializar como um bar com decoração aconchegante, em 2008. Agora com a casa cheia, ele vai mostrar em sua estreia no Comida di Buteco um ousado bife de carne bovina de 25 cm, recheado com bacon e legumes, e cortado como sushi.
Outro conhecido do publico mineiro e que retorna ao festival depois de ter ficado de fora em 2013 é o Bar Temático, referência no bairro Santa Tereza. O dono do estabelecimento, Paulo Benevides, o Bené, trouxe uma mistura entre culinária mineira e nordestina, que cativa a clientela desde 1999. Nesta edição, ele apresenta uma costela suína no bafo, acompanhada de batatas recheadas e melaço de cebola roxa. “A gente tinha que voltar. Desde 2003 recebemos o maior número de votos populares entre os bares. É uma tradição”, avalia.
Tradição que o saudoso Café Palhares, no centro da capital, também vai ressaltar, mas com inovação. Neste ano, o bar investiu em um bolinho de arroz recheado com linguiça, ovo e couve – uma adaptação do kaol, prato feito com os mesmos ingredientes. “Cada ano é difícil a gente se superar, até porque trabalhamos basicamente com ingredientes do kaol. Mas esse desafio é que é gostoso”, aposta Luiz Fernando Ferreira, 33, um dos sócios do café.