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O maior desastre trabalhista da história do Brasil

Barragem da Vale matou mais do que desabamento em obra da Gameleira, que teve 69 vítimas em 1971

Gustavo Andrei Xavier, 29, foi enterrado uma semana depois da sua missa de sétimo dia. É que o corpo só foi encontrado sob os escombros da lama 15 dias depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. “Nunca mais vou sentar para almoçar com meu irmão, nunca mais vou passar um Natal com ele, nunca terei sobrinhos por ele, nunca mais meus pais terão sossego”, desabafa a irmã do mecânico da Vale, Aline Xavier, 34. Entre mortos e desaparecidos são 310 vítimas. Até a última sexta-feira, pela lista da Defesa Civil, eram 131 funcionários diretos e 179 terceirizados e membros da comunidade local. Os números fazem desse desastre o maior “acidente” de trabalho da história do Brasil. Antes, Minas já ocupava o topo do ranking, com os 69 mortos no desabamento das obras do Pavilhão da Gameleira, em 4 de fevereiro de 1971.

De 2015 a 2017, a Secretaria da Previdência do Ministério da Economia registrou 856 óbitos por acidente de trabalho em Minas, uma média anual de 285. “Com o total de mortes confirmadas em Brumadinho, o número já é muito alto. Considerando todas as vítimas não localizadas, em único acidente morreu mais gente do que todas as mortes por acidente de trabalho registradas em Minas Gerais durante um ano inteiro”, destaca o chefe do serviço de epidemiologia e estatística da Fundacentro, Marco Antonio Bussacos.

Antes de Brumadinho, a maior tragédia brasileira envolvendo a mineração tinha sido o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana, região Central do Estado. O reservatório era da Samarco, que tem a Vale como sócia, junto com a australiana BHP Billiton. Em 2017, quando Fabio Schvartsman assumiu a presidência da Vale, apresentou como lema “Mariana nunca mais!”.

Mas, num Estado que carrega a mineração no nome, as mortes provocadas por essas atividade vêm desde o ciclo do ouro e atravessam séculos. O primeiro acidente com barragem em Minas aconteceu em 1986, quando desabou a mina de Fernandinho, em Itabirito, matando sete operários.

Entretanto, o primeiro registro oficial de trabalhadores mortos em uma mina é de cem anos antes. No dia 10 de novembro de 1886, a estrutura da mina Velha, do complexo Morro Velho – hoje da AngloGold Ashanti – desabou em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Até hoje, circulam pela cidade versões de que morreram mais de cem escravos e boatos de que a mina ficou mal assombrada. Há quem conte que não havia como resgatar os trabalhadores, por isso jogaram água para acabar mais rápido com o sofrimento. “Em 1867, teve um incêndio nessa mina. Em 1871, teve uma inundação. Então, as pessoas misturam várias histórias. Na verdade, morreram dez “, revela o médico Ricardo Salgado, que trabalhou por 30 anos na AngloGold Ashanti.

As informações estão no livro “A Chalmers Miscellany”, que Salgado ganhou do autor Ian Chalmers, em 2008. Ian é neto do inglês George Chalmers, fundador da Morro Velho. Segundo a coordenadora de Patrimônios Históricos e Memória Empresarial da AngloGold Ashanti, Rivene de Oliveira, Mister Chalmers construiu a mina Grande, inaugurada em 1892. A mina Velha foi reaberta em 1942.

A série de reportagens é “Nunca mais... Até quando?”,  vai mostrar desde relatos de dor e saudade – de quem jamais receberá um abraço daqueles que se foram – a uma reflexão sobre até quando Minas enterrará promessas e vidas na lama.

“Nunca mais vamos nos sentar e ter uma foto completa de família.”

Aline Arenare, irmã de Gustavo Xavier, mecânico da Vale, morto do rompimento da barragem

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“Nunca mais vamos nos sentar e ter uma foto completa de família.”

Aline Arenare, irmã de Gustavo Xavier, mecânico da Vale, morto do rompimento da barragem

Brasil é o 4º país com maior número de mortos no trabalho

Brasil é o 4º país com maior número de mortos no trabalho

Os acidentes de trabalho matam mais de 300 mil pessoas por ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). E o Brasil é o quarto colocado no ranking mundial, atrás da China, Índia e Indonésia.

A pior tragédia industrial já conhecida aconteceu em uma planta de pesticidas da Union Carbide, em Bhopal, na Índia, em 1984. Mais de 500 mil pessoas foram expostas a gases, sendo que 8.000 morreram e 3.900 foram permanentemente incapacitadas.

Outro desastre de grande repercussão foi o colapso na represa de Banquiao, na China, que matou 171 mil pessoas, em 1975. Em Bangladesh, na Ásia, o desmoronamento de complexo têxtil levou à morte de mais de mil pessoas, em 2013.

No Brasil, além da tragédia da Gameleira, um episódio matou mais de 65 trabalhadores da Shell-Basf, que entre 1977 e 2002 foram contaminados por agrotóxico, em Paulínia, no interior de São Paulo.

Sobre esse último caso, em nota enviada a O TEMPO, a Shell informou que "não reconhece a ocorrência de óbitos relacionados à atividade laboral exercida nas antigas instalações da Shell em Paulínia/SP" e ressaltou que "não há qualquer similaridade com a fatalidade ocorrida em Brumadinho/MG". Segundo o comunicado, o acordo judicial firmado em abril de 2013, no âmbito da Ação Civil Pública Trabalhista, "não reconheceu qualquer negligência por parte da Shell e da Basf com relação à saúde dos empregados da antiga fábrica de produtos químicos na cidade de Paulínia/SP". Ainda de acordo com a Shell, "apesar de estudos técnicos mostrarem que a contaminação ambiental não impactou a saúde de ex-empregados e seus dependentes, a Shell já vinha prestando assistência médica integral para os seus antigos empregados e dependentes mais de um ano antes do acordo ser homologado nos termos propostos pelo TST".

Atualizada às 11h46, em 26 de fevereiro de 2019.

Se era prevenível, é acidente de trabalho sim

"Essas tragédias poderiam ter sido prevenidas se os empregadores cumprissem suas obrigações", diz auditor do trabalho

O rompimento da  barragem da Samarco em Mariana, há três anos, ganhou as capas de jornais  como o maior desastre ambiental do país. O incêndio que matou dez meninos da categoria de base do Flamengo foi estampado como tragédia. Na avaliação do auditor fiscal da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, Marcelo Campos, por mais não se trate esses episódios como acidentes, do ponto de vista do trabalho eles são sim.

“Acidente de trabalho é algo totalmente previsível e prevenível. Portanto, antes de tudo, essas tragédias são acidentes que poderiam ter sido prevenidos, se os empregadores cumprissem suas obrigações para garantir que eles não ocorram”, avalia Campos.

O auditor está ligado à secretaria do atual Ministério da Economia, que englobou o extinto Ministério do Trabalho. Segundo Campos,  assim como Mariana e qualquer outro acidente de trabalho envolvendo ou não a mineração, as vítimas de Brumadinho têm vários direitos assegurados.

“O problema é que a Vale gasta milhões com uma excelente assessoria jurídica, desde que os advogados consigam fazer com que ela pague migalhas aos trabalhadores e às famílias de quem perdeu parentes”, critica.

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Data de Publicação: 24/02/2019