Entrevista

‘Google quer atuar no controle da dengue’ 

Valcler Rangel Fernandes - Médico Vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)


Publicado em 21 de dezembro de 2015 | 04:00
 
 
 
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Durante o seminário “Zika, chikungunya e dengue: desafios para o controle e a atenção à saúde”, o médico da Fiocruz falou sobre os desafios da tríplice epidemia 

Do ponto de vista científico, porque o mosquito ainda é uma incógnita?

Nós temos mais de cem países no mundo que não conseguiram controlar esse mosquito. Não é um desafio brasileiro, é mundial. E o que nós temos visto é que há uma forte capacidade adaptativa do mosquito. A discussão da mudança climática parece muito longe, mas também está inserida nisso, só que não conseguimos ainda identificar os elos entre as flutuações e o comportamento do mosquito.


Qual seria a hipótese mais forte?

Existem algumas possibilidades. Não é uma possibilidade simples, mas o armazenamento de água em função da falta dela aumenta enormemente o número de criatórios de mosquitos. Mas há questões genéticas que nós ainda precisamos olhar melhor, por exemplo, como o mosquito está se comportando do ponto de vista da sua evolução.

Por que não temos uma vacina até hoje?

A vacina em que nós temos concentrado atenção se refere aos quatro tipos de vírus da dengue. Uma vacina que responda a esses sorotipos é complicada do ponto de vista técnico para qualquer doença. Isso já está sendo pesquisado há anos, e nós já estamos perto de alcançar um resultado, mas para zika e chikungunya ainda vamos ter muitos anos.

Mas as pesquisas estão indo na direção da vacina?

As pesquisas têm várias direções. Hoje, do meu ponto de vista, a principal questão seria disseminarmos condições de controle do mosquito. Somente se fizermos um esforço muito grande em reduzir os índices de infestação interromperemos a cadeia de transmissão e, enquanto isso, vamos pesquisando outras possibilidades de prevenção.

A Fiocruz está à frente do desenvolvimento da vacina?

A Fiocruz tem parcerias para o desenvolvimento de vacina, mas há outras instituições também, como o Instituto Butantan.

O fato de não haver vacina não demonstra que a ciência está refém das doenças?

Eu diria que refém é um termo pesado. O desenvolvimento de vacina, na existência da humanidade e da ciência, é sempre prolongado. A vacina é uma medida de prevenção muito boa, mas precisa ser segura e alcançar níveis de proteção. Não adianta ter uma vacina que protege 60% das pessoas, principalmente em epidemias.

A vacina seria interessante para laboratórios privados?

Sim, mas é especialmente interessante para a humanidade. Os laboratórios privados não deveriam olhar para isso como um negócio lucrativo, mas que tenha ganhos para a humanidade.

O Brasil participaria, teria posse dessa patente e não teria problemas para comercializar a vacina?

O Brasil está participando. O problema colocado hoje é um desafio de caráter das várias etapas de experimentação animal e humana da descoberta de vacinas. Existem vacinas que já estão em fase de experimentação em humanos, mas só depois disso nós vamos poder dar um posicionamento.

A nossa atenção deve ser nas três doenças. Nós temos uma tríplice epidemia conduzida pelo mesmo vetor.

O que a gente ainda não sabe do zika vírus, por exemplo?

A gente ainda não sabe quase nada. É a primeira vez no mundo de uma epidemia desse porte do zika vírus. Temos muito mais perguntas e dúvidas, e eu diria até que nós estamos prestando pouca atenção à chikungunya, que também é uma doença grave.

Fale um pouco melhor sobre essa preocupação em relação à chikungunya.

A chikungunya é uma doença que foi introduzida no Brasil há pouquíssimo tempo. A gente tem conhecimento dela desde 2014. É um arbovírus, similar à dengue e ao zika, só que uma característica muito forte são as dores articulares. Esses doentes ficam incapacitados para o trabalho, e os medicamentos anti-inflamatórios funcionam pouco.

Existe a possibilidade de uma parceria com o Google?

Sim. O presidente da Fiocruz (Paulo Gadelha) esteve conversando com o pessoal do Google na sede nos Estados Unidos, e eles se interessaram muito.

O que caberia ao Google exatamente?

Eles têm uma cadeia de desenvolvimento de tecnologias. Se hoje há, por exemplo, aplicativos que possam ser utilizados pelos agentes de saúde, de modo que eles possam transmitir de maneira muito fácil a informação do que está ocorrendo, pode-se ter o controle muito mais eficaz. No Rio Grande do Sul, o pessoal está utilizando muito esse combate focal.

Deixar esse controle nas mãos do Google não seria um problema?

O Brasil tem o Marco Civil da Internet, e isso é muito importante. Nós temos hoje uma capacidade de controle de informação na internet que está na legislação brasileira. Então eu não teria esse temor.

Uma das propostas da Fiocruz é a criação de comitês populares para empoderar crianças, professores e pais no combate a essas viroses?

Se eu pudesse dizer que tem uma lista de coisas fundamentais, essa estaria na lista, com certeza. Nós temos bons exemplos disso. Em Cuba, o controle do Aedes aegypti foi feito com base nos comitês populares, em defesa da revolução – os CDRs. Não estou aqui querendo formar CDRs no Brasil, mas é quase isso. Nós vamos vencer essa história, tenho certeza.

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