Dia das Mães

Maristela Lima fala sobre a importância de dividir tarefas e cuidar de si

Parafraseando Michel Odent, eu costumo dizer que para mudar o mundo, é preciso cuidar das mães, diz ela


Publicado em 09 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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Não deveria ser deste jeito. Mas é verdade que, geração após geração, a culpa continua sendo uma companheira constante na vida das mães, em particular, daquelas que seguem empunhando a bandeira de conciliar a maternagem e a maternidade com a vida profissional, intelectual, amorosa e sexual, sem nunca deixar de lado o auto-cuidado. Escritora e especialista em Neurociências e Comportamento, com foco em Inteligência Emocional, e mãe de Gael e Amarilis, Maristela Lima confirma que julgamentos, críticas e comparações são um prato cheio para alimentar a tal da “culpa materna”. "Abordo bastante este tema em meus cursos e palestras. A verdade é que precisamos aprender a nos blindar contra isso, para cuidar minimamente de nossa saúde emocional e mental", diz ela, que lançou, no final de 2019, o livro “Autocuidado na Maternagem – O Caminho da Comunicação Não-Violenta para equilibrar a relação com os filhos e consigo mesma”, escrito exatamente durante a gestação da caçula.

Maristela frisa que as mães, sobretudo as de primeira viagem, já estão tão envoltas nas múltiplas demandas que tudo o que de fato não precisam nestes primeiros momentos da maternidade são de palpites - e, sim, de apoio, empatia e acolhimento. "Precisamos nos empoderar de nossa própria maternagem, pois cada relação mãe e filho é única", sentencia ela. Para isso, a autora salienta ser fundamental que a mãe busque se orientar por meio da informação de qualidade, além de contar com o apoio de quem realmente esteja apto e propenso a isso. "Ou seja, de pessoas que possam acolhê-la e compreendê-la em suas escolhas e que só deem orientações que forem solicitadas a dar - e com respeito e empatia". 

Além disso, adiciona, é importante que a mulher mãe possa criar formas de se conectar consigo mesma, para perceber quais são seus verdadeiros valores ("seus mesmos, não herdados ou impostos pela sociedade"), necessidades, aspirações e intenções na relação de maternagem. "O autoconhecimento vai ajudá-la em suas escolhas".  E as escolhas, lembra  Maristela, só são conscientes quando a mulher está munida dessa informação de qualidade – leia-se com embasamento científico. "Não os achismos que se vê por aí", ressalva. E, claro, também atenta às fontes internas. "Nossa intuição, nossa conexão com aquilo que nos move, nossas emoções que apontam para o que realmente importa para nós. Então, quando você está informada e conectada consigo mesma, você não precisa 'retrucar' críticas e julgamentos. Você se mantém firme em seus próprios princípios e busca agir alinhada a eles, independentemente de opiniões alheias". 

Evidentemente, ela sabe que isso não acontece de uma hora pra outra. "É uma prática diária e é importante poder contar com quem apoie você de verdade neste caminho, pessoas alinhadas aos valores que servem à vida verdadeiramente: uma rede de apoio empática. É neste sentido que eu trabalho: sendo parte dessa rede e oferecendo condições para criação de redes de empatia entre mães, alinhadas com os princípios de uma maternagem consciente e transformadora".

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista
Acredita que o Brasil ainda vive o machismo estrutural, ou seja, por mais que as pessoas pensem estar antenadas a novos tempos, ainda mantêm entranhada aquela percepção de que a mulher deve abrir mão de sua vida para ser mãe atendendo às expectativas dos outros? Pais continuam num lugar de privilégio em relação à mulher?
Com certeza o machismo estrutural existe de forma bem marcante ainda no Brasil – talvez menos em alguns grupos específicos, mas de maneira geral, está bem vivo e atuante. Mesmo em muitos daqueles pais que as pessoas costumam chamar de “paizão”, aqueles que se acham muito participativos e presentes, mesmo aí, se olhamos com mais atenção, vamos perceber resquícios de machismo. Basta observar quantas mulheres têm jornada tripla (tipo manhã, tarde e noite na função, profissionalmente e no cuidado da casa e dos filhos), enquanto a maioria dos homens tem no máximo uma jornada dupla, né? No fundo, existe essa ideia de que é a mãe que deveria cuidar da criança. E isso, mesmo entre as mulheres, infelizmente.

Pode citar um exemplo? 

Um bem corriqueiro: a criança acorda à noite e a mãe vai atender, “porque o pai trabalha no dia seguinte”. E ela? Ela também vai trabalhar no dia seguinte, seja num trabalho reconhecido como tal, seja no trabalho diário da casa e criação dos filhos – que não é nem remunerado nem reconhecido. Mas isso, o cuidado com os filho, com a família, com a casa, está atribuído historicamente à mulher e é confundido com “amor”, tipo, “se ela ama seus filhos ela deve cuidar de tudo”. Essa é uma das maiores ciladas da maternidade nesta sociedade patriarcal em que vivemos – e que leva muitas mulheres a adoecerem e/ou a detestarem ser mães. Porque mãe vive exausta, mas não se cansa de ser mãe – o que cansa é a falta de condições adequadas para poder viver a maternidade de forma digna. 

Que atenções a mulher que é mãe deve (man)ter consigo mesma de modo a não se deixar de lado, se negligenciar? É importante o autocuidado materno (no sentido de atenção não só à estética, mas, e principalmente, à saúde mental, emocional, até como base de uma boa relação com os filhos)?
Eu acredito que para cuidar é preciso estar bem cuidada, bem nutrida emocionalmente. Se a mulher precisa escolher entre cuidar de si ou cuidar dos filhos, alguém vai ficar mal-cuidado e as relações vão pagar por isso. E a relação mãe e filho é a mais básica das relações, no sentido de base mesmo, sobre a qual irão se estruturar todas as relações futuras daquele ser humaninho que chamamos de filho – isso é comprovado pela neurociência atual: todas as experiências da mãe afetam o desenvolvimento da estrutura cerebral do filho, não só quando a mulher está grávida, mas durante toda a primeira infância. Então, numa perspectiva mais ampla, a sociedade como a conhecemos hoje é também fruto da falta de cuidado durante a infância de quem hoje é adulto. Crianças bem-amadas e bem-cuidadas podem se tornar adultos que prezam valores que cuidam das relações humanas. Se queremos mudar algo, é preciso, sim cuidar das crianças, mas ao mesmo tempo é preciso cuidar de quem cuida. Parafraseando Michel Odent (obstetra francês referência de estudo e produção científica relacionados a fisiologia do parto), eu costumo dizer que, para mudar o mundo, é preciso cuidar das mães. Então, o autocuidado está atrelado a um cuidado maior, numa perspectiva mais social. 

Mas você costuma dizer que é preciso ficar atenta com a noção de autocuidado espalhada por aí. Em que sentido?

O autocuidado ao qual eu me refiro não tem nada a ver com pintar as unhas ou ir à academia. Autocuidado é, para mim, cultivar uma relação saudável consigo mesma a partir de uma atitude responsável diante da vida – e está ligada à preservação de nossa autonomia e liberdade de escolha para tomar as decisões que melhor irão suprir as necessidades vivas em nós. E isso vai reverberar na nossa relação com os filhos. Então, as mães precisam ter condições de cuidar de si mesmas, porque elas cuidam, nutrem, educam, criam novos seres humanos – e é desse trabalho invisível que se sustenta a humanidade.

Que conselhos daria às mulheres que, sendo mães, principalmente as de primeira viagem, estão cansadas, sobrecarregadas, aturdidas, com tantos encargos, cobranças, comparações? 

Acolha a si mesma. Lembre-se que você é humana e que está fazendo seu melhor com as condições que você tem no momento – e o momento está bem desafiador. Então, exija menos de si mesma, não se julgue tão severamente por ser menos que perfeita, porque você é boa o suficiente para seu filho. Sempre que possível, busque a companhia, mesmo virtual, de outras mães. Você verá que não está sozinha, não está louca, não é a pior mãe do mundo. Você é uma mãe tentando criar um ser humano em meio a uma pandemia. Acolha-se. Você não é uma péssima mãe: você provavelmente está cansada e com condições insuficientes para ser a mãe que você gostaria de ser. Não tome como uma falha sua aquilo que é decorrente de um problema estrutural, social. Faça o seu melhor, sabendo que isso é bom o suficiente. E lembre-se que você pode pedir apoio. Se precisar, conte comigo. 

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