Cientistas usaram a técnica de clonagem que levou à criação da ovelha Dolly para transformar células epiteliais humanas em células-tronco embrionárias - que podem fabricar qualquer tipo de tecido do corpo humano. A equipe dos Estados Unidos superou problemas técnicos que vinham frustrando pesquisadores há mais de uma década para criar uma quantidade das células-mãe do corpo a partir de pele doada.
O trabalho despertará interesse fresco no uso da clonagem nas pesquisas médicas, e reacender a controvérsia sobre um procedimento que demanda um suprimento de óvulos humanos e a criação e destruição de embriões em estágio inicial. O grupo norte-americano empregou a técnica para fazer células-tronco embrionárias que eram geneticamente compatíveis com cada indivíduo. Essas células poderiam ser usadas para estudar doenças em seus mínimos detalhes, e regenerar tecidos e órgãos degenerados. "Nossa descoberta oferece novas formas de gerar células-tronco para pacientes com tecidos e órgãos disfuncionais ou lesionados. Essas células-tronco podem regenerar e substituir as células e os tecidos danificados e aliviar doenças que afetam milhões de pessoas", afirma Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon.
Dolly nasceu em 1996, depois que pesquisadores lideraram por Sir Ian Wilmut, em Edimburgo, criaram um embrião fundindo uma célula da teta de uma ovelha com um óvulo que teve seu núcleo removido. O embrião foi um clone - geneticamente idêntico à ovelha adulta da qual a célula da teta foi retirada.
Desde a chegada de Dolly, diversas equipes de cientistas tentaram usar a clonagem para fabricar embriões em estágio inicial, que contêm células-tronco embrionárias. Para fazê-los, eles fundem uma célula da pele e um óvulo com o núcleo removido e, então, aplicam um choque elétrico para fazer a célula resultante crescer. O processo funcionou em alguns animais mas, até agora, havia falhado em humanos.
As esperanças de que a clonagem possa inaugurar uma nova era da medicina sofreram um grande impacto depois que o pesquisador de células-tronco sul-coreano, Woo-suk Hwang, alegou ter aperfeiçoado o processo em 2005 e ter feito tecido a partir de pele de um paciente. Um ano depois, Hwang foi acusado de fraude e de ter comprado óvulos humanos ilegalmente depois da revelação, em um dos maiores escândalos da ciência moderna, de que seus resultados haviam sido forjados.
No periódico especializado Cell, os pesquisadores liderados por Mitalipov descrevem como eles resolveram problemas no processo de clonagem. Eles superaram uma falha - o desenvolvimento prematuro do embrião clonado - acrescentando cafeína em suas placas de petri. O processo reformulado melhorou dramaticamente a eficiência da clonagem, e a equipe de Mitalipov colheu pelo menos uma "fornada" de células-tronco para cada doador de óvulo. Testes nas células descobriram que elas poderiam se desenvolver em qualquer tecido corporal. "Este é um avanço importante, porque é realizável - uma linha de célula embrionária foi gerada de somente dois óvulos", comenta o cientista.
O professor de neurologia da Faculdade King's, de Londres, Christopher Shaw, afirma que "como em muitos bons experimentos, a cafeína teve uma contribuição inestimável".
Os interesses na clonagem terapêutica diminuíram entre muitos pesquisadores depois da invenção de uma nova técnica que permite que os cientistas reprogramem células epiteliais para uma forma mais embrionária. Ao contrário da clonagem, o procedimento não necessita de óvulos humanos, ou da criação de embriões em estágio inicial. No ano passado, Sir John Gurdon, da Universidade de Cambridge, e Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, compartilharam um Prêmio Nobel pela chamada célula-tronco pluripotente induzida (iPS).
Apesar de as células iPS serem uma grande promessa para a ciência, elas carregam mutações e outras anormalidades que podem exclui-las das terapias médicas. O trabalho de Mitalipov ressuscita a clonagem como um meio de criação de uma ferramenta para a produção de células tronco para ver se as diferenças importam.
O líder de genética desenvolvimentista do Instituto Nacional MRC de Pesquisa Médica, Robin Lovell-Badge, afirma que o trabalho "traz de volta para o reino da boa ciência - e não da controvérsia - o tópico da clonagem terapêutica em seres humanos".
Na Inglaterra e em outros lugares é ilegal implantar um embrião clonado no útero de uma mulher, e estudos em animais mostram que a maior parte dos embriões clonados são abortados ou sofrem defeitos congênitos. "É um procedimento inseguro em animais e será igualmente inseguro em humanos. Por somente essa razão não deveria ser tentado", atesta Lovell-Badge. "Nós não somos somente produto de nosso DNA, que é a única coisa copiada na clonagem. A criação e o ambiente são, pelo menos, tão importantes e determinantes quanto em quem somos, assim, a clonagem não pode ser usada para trazer de volta um ente amado", declara.
Traduzido por Raquel Sodré