Nos Estados Unidos, o conceito de deserto e pântano alimentares é tão explorado que o governo americano, por meio do Ministério da Agricultura, elaborou um mapeamento desses territórios no país, a fim de propor soluções. O documento, chamado de Food Access Research Atlas (Atlas de Pesquisa para Acesso à Comida, em tradução livre do inglês), serve de base para que estudos e análises sejam feitos por especialistas.
Uma pesquisa divulgada no fim do ano passado por cientistas do Centro Rudd de Políticas Alimentares e Obesidade da Universidade de Connecticut, também nos EUA, aponta que as saídas residem na logística utilizada na distribuição dos alimentos e na precificação dos produtos in natura e industrializados. No entanto, os pesquisadores afirmam que essas alternativas podem ser aplicadas na maior parte dos países.
Em entrevista a O Tempo, Kristen Stowers, que participou do estudo, disse que a atuação do poder público é fundamental em um primeiro momento. “Sugerimos que os governos municipais adotem políticas que facilitem o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados pela população mais periférica, além de taxar o valor dos produtos industrializados”, afirma.
Outra proposta feita pelo Centro Rudd é a política de zoneamento de bairros, restringindo a presença de estabelecimentos que vendam alimentos considerados de pouco valor nutritivo. Além disso, os órgãos públicos devem incentivar a abertura de mercados que vendam comidas mais saudáveis.
Kristen Stowers reconhece a necessidade de mais dados para averiguar a eficiência desse tipo de iniciativa, mas diz que a pesquisa pode ajudar a maximizar o potencial do ambiente alimentar, reduzindo a obesidade e aumentando a equidade de saúde da população.
Nacional. No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social tenta criar, desde novembro de 2017, uma metodologia para fazer esse mapeamento de desertos e pântanos alimentares do país. No entanto, ainda não há previsão para a conclusão dos trabalhos.
Em Belo Horizonte, a prefeitura tem o mesmo objetivo. O mapeamento está sendo feito pela Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional. “Nosso objetivo é, ainda neste ano, ter informações suficientes para agilizar e facilitar o acesso à alimentação natural nas áreas periféricas da cidade. Assim que estiver pronto, atuaremos com força total”, afirma Beatriz de Carvalho, assessora da subsecretaria.
Minientrevista
Kristen Stowers
Pesquisadora
Como surgem os desertos e pântanos alimentares? Parece que a presença ou a magnitude de um pântano alimentar ou de um deserto em qualquer área geográfica são fruto de mudanças sociodemográficas e de políticas de zoneamento de uso do território.
No estudo, a senhora afirma que os pântanos alimentares têm taxas de obesidade maiores do que as dos desertos alimentares nos Estados Unidos. Por quê? Porque parece haver um efeito cumulativo da mistura de alimentos saudáveis e insalubres em uma área geográfica de pântano, o que nos permite ter acesso a mais informações. Quanto aos desertos, fala-se e identifica-se apenas a presença ou não de mercearias ou mercadinhos.
Como o poder público e os núcleos familiares podem se ajudar nessas situações? Eu apoio iniciativas públicas que mobilizem a comunidade para se envolver em processos de tomada de decisão que moldem o ambiente alimentar, como a presença de lojas em sua vizinhança. Por exemplo, comunidades raciais e outros grupos marginalizados são muitas vezes excluídos de tais discussões sobre o uso da terra e do zoneamento. Além disso, esses processos devem ser mais inclusivos, responsabilizando os funcionários eleitos pela prioridade da saúde e da nutrição de todos ali.
Fale sobre os efeitos desses ecossistemas nas localidades abrangidas. O efeito do pântano alimentar foi mais forte nos municípios com maior desigualdade de renda (e onde os moradores se deslocam menos). Com base nesses achados, as políticas dos governos locais – como leis de zoneamento restringindo simultaneamente o acesso a estabelecimentos de alimentos não saudáveis e incentivando varejistas de alimentos saudáveis a se instalarem nesses bairros mais periféricos – garantem estratégias para aumentar a equidade de saúde de toda a população.
Quanto à pesquisa, quais são as principais conclusões? Os resultados podem ser usados por agentes que são figuras principais, como planejadores das cidades e formuladores de políticas em geral. Assim, temos uma abordagem em duas frentes para melhorar o ambiente alimentar.