Com as mãos pousadas sobre o Dostoievski fechado e depois de alguns segundos, que para Flávio pareceram uma eternidade, Márcia respondeu à pergunta que o rapazinho encabulado em pé ao lado de sua mesa lhe fizera: “Venho sempre que me dá vontade”. Após outros intermináveis segundos de silêncio, sem que Flávio esboçasse qualquer reação, foi ela quem perguntou: “Por que você quer saber?”. “É que eu tenho a ligeira impressão de que te conheço”, ele respondeu, com a voz meio trêmula. “Suponho, então, que você também venha muito aqui”, ela disse, e antes que Flávio pudesse retrucar qualquer coisa, emendou: “Mas, sinceramente, você não me é familiar. Não me lembro de já tê-lo visto aqui ou em qualquer outro lugar”.
O rapaz não conseguia disfarçar o encabulamento, e como não queríamos, nem eu nem Seu Antônio, impassível em seu posto atrás do balcão do Arcaica Palavra, piorar as coisas ainda mais para Flávio, fingimos não dar a menor atenção à conversa meio truncada que corria. Quer dizer, não sei se Seu Antônio, assim como eu, estava apenas dissimulando o interesse naquela abordagem desastrada do rapaz ou se ele, de fato, estava alheio.
“Na verdade eu não venho muito aqui não, apesar de achar o ambiente agradável. É só quando estou aqui pela região e me sobra um tempo”, disse Flávio, antes de emudecer novamente, talvez pensando consigo mesmo que nunca deveria ter se levantado de sua mesa para tentar uma aproximação com aquela moça que, desde que chegou ao bar, cativara sua atenção de maneira tão incontornável. Como o rapaz se mantinha em pé ao lado da mesa, visivelmente sem saber o que fazer, Márcia, esboçando um sorriso, perguntou se ele trabalhava ou morava nas redondezas.
“Eu estudo oboé aqui perto. Tenho aula todas as quintas. E você, vem sempre aqui?”. “Você já me fez essa pergunta”. “Ah, é verdade, quer dizer, o que eu quis saber é se você trabalha ou mora aqui por perto”. “Moro duas quadras pra lá, naquela direção”, disse Márcia, que em seguida perguntou se ele não queria se sentar. Flávio ponderou que não queria atrapalhar a leitura dela. “Já atrapalhou”, Márcia disse, “mas não é importante, eu continuo outra hora. Fique à vontade”, disse, puxando a cadeira para que o tímido rapaz se acomodasse.
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