Emília terminou de pendurar na porta o enfeite natalino, uma pequena coroa de folhas artificiais verde, crivada de bolas vermelhas e encimada por uma estrela da mesma cor, e ficou avaliando se estava adequado, se não estava um pouco torto, se faria vista a quem passasse pelo corredor. Olhou as portas dos apartamentos vizinhos da direita e da esquerda. Uma tinha um enorme Papai Noel que pendia quase até o chão. A outra também tinha uma coroa de folhas artificiais verde, mas com o dobro do tamanho da que enfeitava sua porta. A comparação fez com que Emília fosse tomada por um ímpeto incontrolável de verificar todas as outras portas, do seu andar, o 12º, e também de todos os outros.
Após subir um lance de escadas, constatou, com certo alívio, que as portas dos apartamentos do 13º andar eram bem menos enfeitadas. Seis delas não tinham nenhum tipo de ornamento, e as demais exibiam enfeites tímidos, uma estrela, um pequeno rosto de Papai Noel de plástico, umas bolinhas vermelhas suspensas por um fio. O alívio deu rapidamente lugar a um sentimento de melancolia quando Emília se lembrou que aquele 13ª andar abrigava algumas históricas tragédias, como o caso da senhora octogenária do 1302, que abreviou a própria vida se jogando da janela, ou a até hoje não muito bem explicado caso do velho Gumercindo, do 1.306, que foi encontrado morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante, dentro de um apartamento que não era o seu, o 1309, onde morava um jovem casal que, desde o episódio, nunca mais foi visto.
Emília desceu para o 10º andar, onde chamou sua atenção de modo particular a porta do 1006, inteiramente coberta por uma abundante vegetação viva, com xaxins, samambaias, cipós, avencas, bromélias e outras plantas. A terceira porta seguindo o corredor para a esquerda também tinha um adorno digno de nota, todo feito de madeira, couro e cordas, com uma artesania fina, e que evocava símbolos indígenas. Tudo o que viu de bonito nesse enfeite, Emília achou de brega no que os moradores do 801 colocaram na porta: um enorme cenário em que figuravam Papai Noel, seu trenó, as renas e umas figuras humanas de baixa estatura que ela ficou na dúvida se seriam crianças à espera de presentes ou anões que ajudam o bom velhinho em sua lida. Para completar, havia, sobre o umbral dessa mesma porta, uma espécie de exaustor reverso do qual caía neve artificial, diretamente no chão, que, claro, estava ensopado.
Assim como um mote indígena parece ter servido de inspiração para os moradores do 1009, Emília reparou que alguns moradores, em diferentes andares, recorreram a uma inusitada e, a seu ver, muito bem bolada estética afro, com cores vibrantes e tecidos vaporosos se misturando aos símbolos natalinos clássicos. Tais enfeites chamaram sua atenção tanto quanto o de um apartamento no terceiro andar, cuja porta ostentava apenas um enorme retângulo com as cores do arco-íris pintadas em purpurina.
O sexto andar se revelou um caso à parte para Emília. De início, ela havia ficado intrigada com a profusão de símbolos católicos na maioria das portas, o Sagrado Coração de Jesus em uma, a imagem da Virgem Maria em outra, a representação de um presépio numa terceira. Só quando chegou à porta do 606 é que intuiu que os pobres condôminos daquele andar haviam caído numa espécie de provocação ou pegadinha do peralta morador daquele apartamento, que, sobre o zero, havia colocado uma plaquinha com o número seis, de modo a transformar o 606 em 666, e, como ornamento, pendurou um pentagrama, uma cruz de cabeça para baixo e a imagem da cabeça de um bode preto.
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