O acreano de Xapuri Adib Domingos Jatene, professor emérito da USP, deixou nosso convívio no dia 14 último, aos 85 anos (1929-2014). Cirurgião cardíaco renomado internacionalmente e um inventor não apenas de técnicas em sua área, tais como aprimoramento da cirurgia de revascularização do miocárdio, da cirurgia de cardiopatias congênitas e da técnica de correção de transposição dos grandes vasos da base – operação de Jatene –, usada em todo o mundo.
Foi um “professor Pardal” que deu certo na criação de “aparelhagens”, como oxigenadores de bolhas e de membrana e da válvula de disco basculante, dos quais possui as patentes e que são feitos industrialmente sob licença e utilizados aqui e no exterior. Foi um gigante inquieto de excepcionais qualidades técnicas e criatividade em sua área.
Incursionou pelo campo da administração pública, tendo sido secretário de Estado de Saúde de
São Paulo, de 1979 a 1983, no governo de Paulo Salim Maluf, deixando como marco a obsessão pelo Plano Metropolitano de Saúde, que previa a criação de 490 centros de saúde e 40 hospitais locais, que Maluf não bancou!
Ministro da Saúde durante oito meses no governo Collor, saiu, um pouco antes da CPI do Orçamento, denunciando ao país: “Não dá para ficar. Meia dúzia de empreiteiras mandam neste país”. Era um dom Quixote, e ninguém se importou! Ministro da Saúde do governo FHC durante 22 meses, quando propôs a criação da CPMF, o imposto da área, que aumentava em 50% as receitas da saúde, depois de ter deixado o cargo, dizia sem medo: “FHC não tem palavra, e Serra não tem caráter”.
Suas passagens pela administração pública, todas em governos sem compromissos populares, mesmo assim tornaram-no um militante incansável do SUS. O dr. Jatene, embora nunca tenha assinado ficha de filiação a qualquer partido político, era tido como um malufista de quatro costados. Sobre sua experiência na administração pública, declarou: “Foram boas experiências, mas hoje acho que o governo está muito perto dos ricos e não entende os problemas dos pobres”.
Convivi com o dr. Jatene alguns meses, quando ele era ministro da Saúde de FHC, por ocasião da elaboração da Resolução 196/1996 – Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, porque integrei o Grupo de Trabalho (GT) que a redigiu, cujos bastidores eram pura nitroglicerina, pois àquela época o Brasil era “terra de ninguém” na seara da pesquisa em seres humanos.
Ele enfrentou com determinação e valentia os lobbies poderosos que não desejavam que o Brasil normatizasse a pesquisa em seres humanos, digo indústria farmacêutica e algumas universidades, que achavam que, sem a presença delas, tudo o que fosse definido no GT não teria validade, inclusive a USP, que se recusou a participar!
Na véspera de levar o texto final para a apreciação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o ministro recebeu o GT para ter ideia de como ficara o documento final, pois ele acompanhou presencialmente muitas das discussões. De chofre, ele indagou: “Está bem assim pra você, Fátima? Eu sou testemunha de como você agiu com braveza e altivez na defesa dos direitos das mulheres e dos negros na feitura da resolução!”. Disse-lhe que sim. “Então vamos levar o documento à votação, abrindo assim um novo tempo ético para a pesquisa em seres humanos no Brasil.”
Enfim, repito: se não fosse o dr. Jatene, até hoje a pesquisa em seres humanos no Brasil seria “terra de ninguém”!
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Tributo ao dr. Adib Jatene, um humanista de muitos dons
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