No próximo fim de semana começa oficialmente o Carnaval, embora sabendo que, como estamos no Brasil – esperar pra quê? –, ele já começou, ué. Ou, observando mais atentamente a Bahia, será que a folia já foi alguma vez interrompida desde o Descobrimento? Hum?
De passagem pela Savassi e arredores – dentro de minhas atividades normais de sábado e domingo, e não fantasiado de pirata – acabei presenciando cenas típicas do chamado pré-Carnaval. Vi coisas simpáticas e carinhosas, como famílias inteiras – da vovó ao netinho – divertindo-se e pulando ao som das marchinhas eternas. E não registrei até agora nenhuma mudança politicamente correta nas letras, conforme exigido pelas patrulhas ideológicas que tentam controlar a espontaneidade e o bom humor geral.
Algumas mocinhas ousaram em shorts mais curtos e justos, mas o conforto dos bermudões folgados parece que vai prevalecer. Cabeças floriram e brilharam – difícil achar uma só sem a tiara de margaridas e a purpurina. Rapazes e moças com espírito carnavalesco eram facilmente identificados pelas inseparáveis latinhas de cerveja, energéticos ou catuaba que traziam nas mãos. Banheiros químicos foram instalados bem à vista, mas as esquinas, árvores, becos e postes parecem exercer atração fatal sobre as mentes e as bexigas da moçada.
Como de hábito nos últimos anos, vou passar o Carnaval no fundo de minha caverna, fantasiado de urso velho, cochilando. Porém, quem disse que um cara como eu, que não curte Carnaval, também não pode se divertir durante esses dias? Ligo a TV num desfile qualquer (ou na exaustiva repetição de um desfile pelos telejornais) e retiro o som. Em seguida, me estico no sofá e contemplo a patética condição humana, filosofando sobre essa estranha obsessão de “ser feliz pelo menos no Carnaval”. Aprofundando minha pesquisa existencial, talvez no próximo fevereiro saia a campo com uma entrevista de apenas duas perguntas: “Olá, folião! Você está rindo de quê?” e “De quantas cervejas você precisou para atingir o estágio de felicidade momesca?”.
Não sou tão chato quanto às vezes pareço. Claro que existiram Carnavais gloriosos no meu passado. Deles guardo paixões avassaladoras e irrealizáveis por tirolesas, melindrosas e havaianas de boquinhas vermelhas de batom materno, flertando comportadas ao som de marchinhas sensacionais no salão do clube do bairro. Como de hábito, as paixões duravam três dias, mas o perfume dos lança-perfumes Rodouro permanecia a nos torturar com lembranças sublimes, durando até a chegada do incenso severo da Semana Santa.
Como sofro de constantes premonições apocalípticas, desconfio que o Bloco da Escuridão vem ganhando adeptos a cada ano e espalhando suas alegorias por todo canto. Jamais poderia imaginar, por exemplo, que o delicioso perfume das Rodouros seria trocado pelo cheiro de xixi, onipresente. Maldosos já distribuem postagens anunciando que o bloco de maior sucesso na praça da Estação será o Levei seu Celular, composto de animados e espertos amigos do alheio.
Para este repórter transitório, o grande destaque foi o número impressionante de mulheres tocando tambor. Li no jornal que o tambor ganhou o status de “símbolo de uma nova atitude essencialmente feminista contra o machismo e principalmente contra a opressão das mulheres – com direito a se expressarem nos diversos campos da convivência social, principalmente na área musical, dominada pela autocracia masculina”. Essa foi a longa resposta de uma bela moça que espancava o couro de um imenso surdo com arte e ritmo, dirigindo-se a uma repórter da TV.
Finalizando, acho muito esquisita esta história de o governo distribuir milhões de preservativos de graça. Ora: o cara tem dinheiro pra cerveja, mas não tem pra comprar a própria camisinha? Paternalismo piegas, favorecendo o espírito adolescente que domina as massas. E desconfio fortemente que algum figurão deve estar lucrando uma grana preta com essa distribuição desinteressada.
Minha série de reportagens termina aqui. Carnaval é para quem ainda gosta, e vou passar o meu bem distante do Rei Momo. Pesa também uma questão de princípios ideológicos: sou republicano, jamais monarquista. E de anarquia já me bastam os outros 360 dias de Brasil.
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