Nos tempos da TV Cultura, em SP, morei no gigantesco edifício Copam, projeto emblemático de Oscar Niemeyer. Pomposo na paisagem, o Copam era famoso entre os intelectuais pelo seu conceito socialista-popular-coletivo. Já entre os residentes, pela sua lamentável sujeição às temperaturas extremas da Pauliceia. A gente morria de frio ou de calor, dependendo da estação do ano; era insuportável. Uma vez, repórteres me perguntaram o que eu achava daquela habitação. Em tarde inspirada, ponderei que, de fato, o Copam era assaz coerente com a ideologia comunista de seu autor. Parecia Cuba, nação reverenciada por Oscar: linda na teoria; mas na realidade ninguém aguentava morar lá – disse eu. Rimos bastante.
A politização surreal do concreto armado não se extinguiu com Niemeyer. Pelo contrário: vez ou outra “surta” em ambientes propícios. Na Escola de Arquitetura da UFMG, um professor propôs um trabalho envolvendo projeto para uma casa imensa, cheia de quartos, garagens, jardins. Imagino que tal proposta de grandes dimensões em concreto armado – um mero exercício – faria com que os alunos ampliassem também as dimensões limitadas de seus saberes arquitetônicos. Vigas, pilares, lajes, balanços! Puxa, que desafio! Quantos neurônios sonolentos a serem estimulados!
Alguns alunos – provavelmente de perfis “militantes” – deram o golpe. Recusaram-se a fazer o trabalho alegando que o referido seria “racista”, já que incluía quartos reservados aos serviçais imaginários da imaginária residência. Na verdade, não enxergaram a casa – imaginária, repito – como um aprendizado, e foram implicar com os imaginários quartos das empregadas. Imaginação mal dirigida dá nisso. E que boa desculpa para erguer mais um copo de cerveja no lugar de uma estrutura no AutoCad, hein?
Para justificarem a indolência, redigiram um manifesto – um primor de lugares-comuns do surrado vocabulário politicamente correto. Tive o cuidado de degustar a baboseira, do alicerce à cumeeira, e dela retirar algumas frases para nosso deleite: “a estrutura escravocrata do cotidiano brasileiro”; “separação de patrões e empregados”; “moldes de dominação”, “classe elitista, setores reacionários”. Teve mais: como o nome da disciplina era “Casa Grande” – referência óbvia à área a ser construída – de má-fé, de pura sacanagem, associaram-no à “senzala”, execrando o professor sob a pecha de feitor cruel.
E se o projeto fosse para um estádio de futebol? Alunos-militantes-esquerdistas, depois de enrolarem por algum tempo, redigiriam: “Indignados com a proposta elitista de uma ‘arena’ – palavra que remete historicamente ao espaço de martírio de escravos inocentes – coletivamente encaminhamos nesta folha A4 o traçado quadrangular de um campo de futebol de várzea, genuinamente nacional. Sem gramado, arquibancadas, coberturas ou demais áreas reservadas às classes dominantes, o mesmo não terá fossos ou alambrados. Trata-se de um estímulo à liberdade, proporcionando a integração das massas sem preconceitos, além de evitar a ação perversa e violenta da polícia que reprime a manifestação popular.”
Alguns alunos vão à faculdade para estudar – e ela existe é para isso, ué. Esses aceitam sua ignorância transitória, absorvem o conhecimento e aí viram bons profissionais na idade adulta. Já outros se sentem detentores de atributos intelectuais acima da média. São sapientes e geniais já no primeiro dia de aula. Infelizmente, devem encarar regras, disciplinas, provas e avaliações até a formatura. Que saco! Por isso, ficam nervosinhos, impacientes, arrogantes. À menor contrariedade vão resmungar no Diretório Acadêmico ou em casa. Oremos para que, no futuro, não caiam nessas mãos os projetos de nossas casas.
Resumindo: esse episódio é mais uma amostra cômica do esquerdismo cada vez mais festivo que pulula pelos corredores de nossas pobres (mesmo) universidades, seduzindo jovens incautos. Por falar em afazeres domésticos, quantos futuros arquitetos lavam ou passam suas próprias roupas, cozinham suas refeições, arrumam suas camas ou encaram a louça de casa?
É sabido que as empregadas viraram um luxo para a maioria da classe média. São outros tempos, felizmente; havia, sim, exploração e desrespeito. No entanto, aqui e no resto do mundo babás, cozinheiras, copeiras, arrumadeiras, cuidadoras, motoristas, vigias e acompanhantes continuarão a serem contratados pelas famílias que podem ou que necessitam fazê-lo.
Aliás, isso tem o nome de emprego – hoje com carteira assinada, direitos preservados, consciência profissional e legislação atenta a qualquer desvio. Releiam, meninos; escrevi “emprego”, aquele velho sistema de ganhar a vida honestamente com esforço, responsabilidade, hora marcada, obrigações. Porém, entendo: muitos de vocês nem fazem ideia do que seja um.
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