A sociedade atual vive entre dois extremos perniciosos em relação ao mal que se pratica. Para que ele continue a viger impunemente, os culpados e comprometidos silenciam-nos. Assim se acobertam os infratores. E então chega a imprensa, rompe o cerco e lança a público o escândalo. Quando isso significa freio na corrupção, punição justa dos faltosos, cumpre-se papel social. Somente o medo da publicidade coíbe certos corruptos de enveredarem-se pelo caminho fácil e sedutor do delito.
O outro extremo toca as raias da exibição despudorada. Normalmente se explora tal recurso em escândalos sexuais. A sociedade moderna cultiva doentio voyeurismo. E aqui as contradições da mídia saltam aos olhos. Por isso, duvida-se do teor ético do prurido informativo detalhista. Ela tanto alardeia escândalos sexuais de autoridades mundiais, de personagens públicas, de instituições julgadas puritanas, como também alimenta por meses programas de baixíssimo nível moral, ao deleitar-se precisamente com a exposição sexual.
A tradição bíblica fala de “escândalo farisaico”. A mesma mídia que se apresenta defensora da ética ao denunciar crimes sexuais perpetra outros piores, criando penetrante cultura de desmando moral.
Entre os dois extremos do silêncio cúmplice e da exibição provocante, cabe reflexão ética. O princípio ético básico não gira em torno do direito ilimitado de informação, tão propalado pela mídia. Ele depende de outro valor superior que o rege e o limita. A ética conhece o direito ao sigilo, à confidência. No caso da Igreja Católica, considera-se gravíssimo violar o segredo de consciência comunicado no sacramento ou na orientação espiritual. O mesmo vale de profissionais que ouvem intimidades dos clientes.
Entra em questão outro aspecto ético pouco considerado. A comunicação de notícias serve a finalidade superior que a simples conhecimento da mesma. O valor maior se chama bem comum. O bem do público e das pessoas em concreto arvora-se em critério primeiro de toda informação.
Se a chocante exposição de desmandos morais provoca antes a decadência da cultura e termina por favorecê-la, a reserva silenciosa se impõe. Vários programas televisivos e filmes não passam por tal critério ético. A mesma mídia incentiva desregramentos que ela antes condenara. Nisso consiste fundamentalmente o escândalo farisaico. Colhe-se o mosquito de uma vítima prevaricadora e engole-se um camelo com meses de programa não menos perverso.
Falta muito na sociedade atual o respeito ético à coletividade no campo da informação. A decadência moral que ela tem noticiado produz relativização crescente de valores absolutos. A tradição conhece o dito: “verba movent, exempla trahunt”. As palavras movem, os exemplos arrastam. A força, que os atos escandalosos jogados na mídia exercem, escapa-nos facilmente da percepção. A ética atende tal realidade ao preferir o silêncio à publicidade, quando esta açula a onda repetitiva dos exemplos danosos.
Este foi o último artigo do padre João Batista Libanio para O TEMPO. O colunista faleceu no último dia 30.
As contradições da mídia e a exposição do mal
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