As últimas semanas, nas quais se desenvolveu a evolução da apreciação, pela Câmara dos Deputados, do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, revelaram nuances que, embora previsíveis, não se conheciam tanto. Primeiro foi a discussão e votação na comissão criada para se receber e analisar o relatório do deputado Jovair Arantes, que bateu pelo prosseguimento do processo na Câmara. As discussões avançaram sobre questões que não eram objeto do próprio relatório, com os defensores da presidente batendo pela não configuração de crime de responsabilidade que justificasse seu impedimento – um golpe –, e a oposição trazendo para a tribuna uma intensa coleção de fatos. A oposição, o relatório firmado segundo juristas, senadores, deputados, ex-tudo e curiosos em geral gritando pelo impeachment, e o governo insistindo em que os fatos arrolados não configuravam razões para o ato. Berravam não haver crime da presidente que pudesse suportar tal medida, radical e definitiva.
Algumas situações se destacam, junto com a própria votação pela comissão, realçadas pelas emissoras de TV e pelas redes sociais. Analistas políticos e historiadores dizem todos os dias em seus textos que nenhuma instituição no Brasil é tão representativa da nossa sociedade como o Congresso brasileiro.
Cenas como deputados usando narizes de palhaço, vestidos de bandeira do Brasil, do PT e dos demais movimentos sociais, bolos de apostas quanto aos resultados esperados, dedos nas caras, tapas, palavrões, ameaças, selfies se uniam aos argumentos dos defensores da presidente Dilma, chamando Eduardo Cunha de “bandido”, “ladrão”, “corrupto”, “criminoso” e o que mais se conhecia para desqualificar aquele que se transformou no principal incentivador da causa do impeachment e seu juiz. Ninguém respondeu, desmentiu, defendeu Cunha. No máximo, colocaram na mesa que os amigos do governo Dilma saquearam o país, quebraram a Petrobras, a Eletrobras e o Tesouro. Somos ladrões, mas vocês também são, seria possível a conclusão que não foi dita em público, mas fácil de ser construída.
Julgadores e julgados, ao que se viu, formam compartimentos de gente pouco recomendável para exercer as responsabilidades que deles se desejam. Não se espera que o Congresso de qualquer país seja um ajuntamento tão pobre de homens públicos, em grande número, respondendo a processos pela prática de crimes das mais diversas tipificações, da corrupção, da formação de quadrilhas às contravenções. (É uma sorte que desde 2012 a vadiagem tenha sido excluída da Lei de Contravenções Penais, especialmente pela absoluta falta de espaço para se manterem presos aqueles assim qualificados. Do Congresso, sairiam Moves lotados).
O resultado da votação de admissibilidade do processo de impeachment da presidente abarcou a avaliação da errante política econômica do atual governo, o repúdio a sua condução pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, a acusação de traição dirigida a Michel Temer, e respondeu ao genérico clamor das ruas. Estarão em pauta, doravante, a solução para o desemprego, segundo as estatísticas, de 10 milhões de trabalhadores, a recuperação da atividade econômica, o ajuste fiscal – esse último dependente de reformas impopulares como a da Previdência Social – e a diminuição da carga tributária. Seguramente, não há caixa para arcar com o que o povo quer sem novos impostos, sem cortes de garantias, sem a readequação dos benefícios da Previdência. Não nos espantemos se daqui a um ano, com Dilma ou com Temer, estivermos no mesmo lugar. Seria utópico pensarmos que Temer reuniria em torno de seu projeto, sem fundamentos maiores, um Congresso negociante, o empresariado imediatista, os sindicatos e demais instituições.
Não seria a oportunidade para a convocação de uma eleição em que se escolhesse um novo presidente, com o compromisso de implantação de reformas amplas e profundas, que não comportam mais ser adiadas, pelos prejuízos já causados ao país? Quem, para isso, se apresentará com liderança, com grandeza e melhores compromissos para sua viabilização?
Não há esperanças para o brasileiro, cansado de crer em vão, massacrado, subjugado, iludido. Se tais soluções não vierem das representações políticas e desse novo Brasil que o impeachment propõe e festeja, a população irá às ruas para exigir que sejam implementadas as mudanças prometidas, que se adiam com tanto prejuízo para o país. Sem pagarmos o preço da realização de reformas, o resto é conversa fiada. Com Dilma, Temer, Cunha ou Moro, não importa.
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