De tudo, muito se ouviu nos últimos dias, motivado pelos protestos acontecidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, no bojo do aumento das tarifas de ônibus. Mais do que protesto pela significância do aumento, o que o povo colocou pra fora foi sua indignação com a forma como são tratados assuntos de interesse público e a ira de uma sociedade cansada de crer em vão e de esperar pelo que nunca lhe é retribuído.
Ninguém aprova a violência que se firmou no inconformismo dos manifestantes, nem a truculência empregada pela polícia para repreendê-los. As cenas acontecidas nas duas maiores cidades do país – com centenas de pessoas presas ou feridas, prédios e lojas depredados, policiais atirando a esmo sem saber o que iriam atingir, respondendo a pedradas arremessadas desordenadamente –, nos deixam um alerta: a população não vive a felicidade demonstrada na publicidade dos governos.
Há uma insatisfação latente no inconsciente popular, que, à menor provocação, se manifesta. É míope – ou mentirosa e irresponsável – essa postura dos nossos governantes ao não perceberem a indignação presente em todo cidadão desse país, independentemente de sua classe social, do grau de instrução, do acesso ou não às facilidades do desenvolvimento. Ontem, foi o aumento das passagens de ônibus, que é um serviço próximo e essencial ao cotidiano do cidadão nas cidades. A gota d’água foi a majoração, que, por si mesma, não chega a impactar no mesmo grau do protesto dos manifestantes. O que está em jogo é muito mais: o cidadão, o mesmo que usa todos os dias o transporte coletivo, é aquele que dispende quatro horas, também todos os dias de sua vida, para ir e voltar de seu trabalho. É aquele que vive ameaçado, ele e sua família, pela violência e pela insegurança – que driblam ou com ela são confundidos, ou nela envolvidos – em razão da ocupação das cidades, da criminalidade impune e da miséria sem alívio ou solução.
Sem violência – ou, lamentavelmente, com ela –, motins estão na prateleira à espera de quem os encabece: a volta da inflação, que desafia a presidente e as autoridades monetárias; a corrupção deslavada e sem medidas, presente no Judiciário, no Legislativo, no Executivo, enfim, em todos os andares e instâncias do poder público; a péssima qualidade dos serviços de saúde, de educação, de segurança, de transporte de massa, em todo o país, que afronta e desrespeita a sociedade. Isso somado à atividade criminosa do setor financeiro, que não se envergonha de embutir taxas de até 18% ao mês de juros e outras tarifas sobre operações de que se serve parcela significativa da população.
Esse amálgama é a matéria prima que tem nas mãos o cidadão comum, cotidianamente. Não há, e isso vem sendo denunciado todos os dias, uma atitude articulada, expressa em políticas públicas sérias e profundas, que possa aplacar esse quadro de carências e de equívocos. Estamos no meio de um caminho sem volta, e os nossos governantes, especialmente no plano federal, não se apresentam com projetos nacionais. Seguimos com medidas de varejo e incertezas no atacado.
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