Imaginem uma peça em que o enredo ocorre simultaneamente em vários palcos. Pois bem, temos uma situação assim em Brasília. A crise tem aspectos institucionais, partidários, ideológicos, éticos e pessoais.
Estamos em uma espécie de briga de faca em quarto escuro no qual todo mundo briga com todo mundo. Salva-se a oposição, até mesmo por não estar se posicionando agressivamente. E ela ainda não tem lanterna para iluminar o quarto escuro e apontar rumos.
A briga é autofágica. O lulismo foi gradativamente destruído pela presidente Dilma Rousseff e acabou em uma grande confusão. A política é “meio” PMDB, e a economia é “meio” PSDB. Tudo temperado por uma rara e peculiar combinação da tradicional incompetência política do governo com a crise econômica e fiscal e, ainda, com os efeitos devastadores e tóxicos da operação Lava Jato. O pior de tudo é a incapacidade do governo de fazer as leituras corretas a tempo e a hora.
Temos uma crise de relacionamento entre o governo e o Congresso; entre o Congresso e o Judiciário; entre o Judiciário e o Executivo; entre os aliados da base política; entre os membros da equipe econômica; entre os ministros e o Palácio do Planalto; entre a Casa Civil e a coordenação política; e, ainda, entre Dilma e o ex-presidente Lula. Ambos se dedicam ao esporte de falar mal um do outro pública e diariamente.
Fica claro que, pelo tamanho e pela diversidade da crise, o governo não tem a menor condição de resolvê-la sem descer do salto alto e buscar o entendimento com todas as forças políticas relevantes e com as principais instituições. O governo deve se reinventar para conseguir – o que é incerto – chegar a seu termo. Não há, ainda, essa percepção. Desde 2013, Dilma começou a perder o controle da agenda e nunca mais conseguiu retomá-la. Ela é passageira em um trem desgovernado.
A política é a única forma de resolver a crise instalada. Por meio dela se consegue aprofundar o ajuste fiscal, assimilar os efeitos da Lava Jato e assegurar a devida independência dos Poderes. Mas é justamente na arte de fazer política que o Palácio do Planalto apresenta sua mais grave deficiência, compensada pela presença do vice-presidente Michel Temer. Sem ele, o governo já teria naufragado.
O Planalto deve reconhecer que não tem mais o controle dos fatos e que a sua antiga hegemonia foi destruída por sua profunda incompetência e arrogância política, demonstradas até o posicionamento de Temer como coordenador político. Aliados foram abandonados. Compromissos não são cumpridos. A disposição para conversar continua insuficiente.
O diálogo com a sociedade foi relegado a uns poucos. A presidente vive num castelo, isolada do mundo e com pouco acesso às notícias e análises. Afinal, ela só lê o clipping do clipping do clipping, filtrado de tudo que possa aborrecê-la e tirá-la do seu equilíbrio emocional. Erroneamente, avalia que as turbulências da crise são golpes de vento ou tempestades em copo d’água, e não decorrentes de uma soma inacreditável de erros praticados desde 2011.
Caso o governo conseguisse minimamente estabilizar as expectativas, poderia retomar o controle parcial da agenda e caminhar para tempos menos turbulentos. É hora de Dilma decidir se vai tratar de governar com o que ainda tem de apoio ou se destruir administrando heranças malditas dela e dos outros. O impeachment, antes improvável, se viabiliza a cada dia que passa.
A saída que se apresenta no momento não é a saída da crise. É apenas uma alternativa para que o governo comece a funcionar melhor. A reinvenção implica fazer uma ampla reforma ministerial dos quadros mais essenciais que não correspondem ao momento político. Não é difícil identificar que nomes devem sair. O duro é saber quem quer entrar na fogueira.
Presidente é passageira do trem desgovernado da crise
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