Vamos tratar, nesta edição, do rigor com que os alemães tratam o trânsito e suas variantes. Na verdade, a pauta começou a ser desenhada durante a travessia do Atlântico, no voo de retorno que nos trouxe da França, depois do Salão de Paris. Nossa narrativa se inicia no segundo trecho da jornada rumo ao Brasil, em Lisboa, quando se sentou ao meu lado a empresária Talita Estrela. Jovem empreendedora, estruturou sua atividade profissional especializando-se em intercâmbios, por meio de sua empresa, Experimento Intercâmbio Cultural, e retornava de mais uma de suas viagens a Munique, na Alemanha. Viajada e muito comunicativa, minha companheira de poltrona mostrou que possui boa bagagem de vida, atribuída, sobretudo, aos contatos com estrangeiros.
Em uma viagem à Alemanha, um fato inusitado aconteceu. Como daquela vez a demora de Talita em Munique seria maior, nossa protagonista, com seu alemão fluente, almejando angariar mais experiência e também uma “renda extra”, conseguiu um trabalho temporário. Todos os dias, às 8h e depois às 12h, levava e buscava três crianças na escola a bordo do Range Rover do casal que a contratou. A rotina vinha sendo cumprida com sucesso, até que, ao passar por uma rua mais estreita, ela se deparou com um veículo estacionado na via que impedia a passagem. Aguardou por curto momento atrás desse carro parado para que outro passasse no sentido contrário. Foi neste instante que Talita resolveu, depois de olhar à direita e ver a passagem livre, girar levemente o volante, avançar e seguir seu caminho em direção ao colégio. O parrudo utilitário-esportivo inglês foi em frente até seu destino final.
Como fazia sempre, Talita retornava para devolver o carro. Mas nesse dia não foi bem assim que se deu o desfecho. Ao entrar na rua e se aproximar da casa, reparou um grupo de policiais na porta, dois carros da patrulha e os patrões em volta dos oficiais. Sem entender o que poderia estar acontecendo, Talita estacionou calmamente e desceu do utilitário. Nervosa e sem entender o que se passava, a profissional em intercâmbio ficou apreensiva, e com razão, afinal, era grave a situação. Talita estava sendo acusada de ter cometido uma infração e deixado o local sem ter dado a devida assistência à outra parte envolvida. Em resumo: para a polícia local, ela era uma foragida, porque, no instante em que se desviou do carro parado, provocou um leve esbarrão na lateral do veículo, que ela se recorda apenas tratar-se de um automóvel da marca Opel. Como o Range Rover é “gigante”, ela nem se apercebeu do que tinha acontecido e ingenuamente seguiu seu caminho. Só que lá as coisas funcionam. Na mesma hora a placa foi anotada e repassada à policia, que identificou o nome e endereço.
Os que pensam que, uma vez conhecido o autor e este reconhecendo o erro e ressarcindo o prejuízo tudo estaria acabado, se engam. Um processo foi instaurado, Talita condenada à reclusão por 30 dias ou ao pagamento de uma multa de quase € 1.000. Tudo em algumas semanas. Com a ajuda da família que a recebia no intercâmbio, o pagamento foi feito, e nossa vizinha no avião, liberada de cumprir sentença em uma prisão na Alemanha. E tudo por conta de uma pequena distração. Mas nada disso afetou o encantamento de Talita por aquele país.
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