Aqui e ali a presidente Dilma deixa entrever que não apresentou em campanha o mesmo programa que, supostamente por motivos supervenientes, tem agora de aplicar ao país. E ainda ousa dizer que foi legitimamente eleita, como se a legitimidade de uma eleição derivasse, pura e simplesmente, do número de votos obtidos. A legitimação é obra diuturna e consiste em dar a todos a certeza do que o governante vem fazendo.
Na semana passada, perante o PT e com todas as letras – embora atravessado pelo apelo de apoiá-la de qualquer jeito, para dar a ele a chance de voltar em 2018 –, Lula reconheceu que ela disse uma coisa e que agora pratica outra. Essa seria a origem da crise política, que não se restringe apenas a isso, mas também compõe-se de elementos vários, como a disparidade de pensamentos e atos entre os que supostamente comporiam a “base de apoio”.
Já me referi aqui algumas vezes ao susto que tomei certa vez no meu antigo partido quando alguém, vitorioso em campanha, me declarou: “Não ganha eleição quem não vende ilusão”.
Naquela altura dos acontecimentos, já grassava em nosso país a mania de botar marqueteiros de plantão nas campanhas. De forma que, de um salto, saímos das amarras da Lei Falcão – aquela que só permitia propaganda eleitoral com o retratinho do candidato e umas poucas palavras sobre sua vida – para os agora usuais programas de TV, nos quais minutos preciosos se transformam em moeda de troca para partidos de aluguel se amontoarem à volta de quem quer mesmo entrar para ganhar. Tudo o mais, comícios, debates em colégios ou universidades, visitas a locais de grande concentração popular, o corpo a corpo de antigamente, passou a ser substituído pelos programas gravados de antemão, com cenas geralmente montadas para dar a entender apoio de gente famosa ou de populares, prontos a darem testemunho das maravilhas já feitas pelo candidato. Ademais, o teatro maior fica por conta dos chamados “debates”, em que quase nada se debate, pois, ora o tempo é pequeno demais para o tamanho da pergunta, ora entra em cena o descaramento com que alguns falam sobre o que não conhecem ou fingem saber o que nunca souberam. Quem pode dizer algo que preste em dois minutos, com réplica de um minuto?! Claro que, quanto mais cara de pau é o postulante, mais ele consegue fazer daquele tempo um momento para dizer o que quer, e não o que lhe foi questionado. Paulo Maluf que o diga.
Mas, se aqui as coisas degringolam, no Canadá, o candidato Justin Trudeau teve a coragem de afirmar e reafirmar, antes de os eleitores irem às urnas, que o país terá três anos seguidos de déficit fiscal diante do programa que pretende executar. E seu partido, o Liberal, de centro-esquerda, colheu magnífica vitória, que o levou ao cargo de primeiro-ministro. Que tal começarmos a exigir dos mandatários e dos candidatos dizer “a verdade e tão somente a verdade”?!
Talvez começássemos assim a construir uma cidadania ativa e um governo mais previsível do que o furacão que rodopia hoje sobre todos nós.
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