Opinião

Unindo as pontas entre academia e setor privado

Aproximar dinamismo econômico e capacidade científica

Por Juliano Alves Pinto
Publicado em 19 de maio de 2021 | 03:00
 
 
 
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No início do mês, foi divulgado resultado de edital conjunto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no qual o Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, em parceria com a Faculdade de Medicina, receberá um centro de inteligência artificial inteiramente voltado para a saúde, em associação com empresas privadas desse importante segmento em Belo Horizonte. A iniciativa, inédita, contou com o apoio institucional do governo de Minas Gerais, por meio do vice-governador Paulo Brant, juntamente com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico.

O objetivo do novo centro é concatenar a reconhecida excelência do DCC em tecnologia da informação com a pujança do setor de saúde em Belo Horizonte, com vistas ao desenvolvimento de soluções tecnológicas em inteligência artificial que visem, sobretudo, ao aprimoramento de produtos e processos já existentes.

A notícia, em boa medida, reflete o que já é conhecido por muitos. Minas Gerais integra, nacionalmente, a fina flor da cena brasileira de ciência, tecnologia e inovação. Costumo dizer que a assimetria entre São Paulo e Minas Gerais, notória no campo da economia, praticamente inexiste quando o assunto é pesquisa científica e sua aplicação no mercado. Os números impressionam, e é praticamente impossível abordá-los em apenas um artigo. Mas é relevante mencionar que são 11 universidades federais espalhadas pelo território de Minas Gerais. Destas, algumas representam centros de referência de reputação internacional, como é o caso de Lavras e de Viçosa em matéria de agricultura e pecuária, a título de exemplo, o que é complementado pela existência de dois laboratórios da Embrapa em nosso Estado, um dedicado a milho e sorgo, em Sete Lagoas, e outro a gado de leite, em Juiz de Fora. A excelência acadêmica de Minas em inovação não diz respeito apenas a instituições públicas. O Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, representa o que há de mais avançado em pesquisas no Brasil sobre conectividade 5G, em parceria com empresas líderes mundiais, apenas para mencionar um dos assuntos nos quais a instituição sul-mineira é relevante.

A pandemia da Covid-19 expôs, em boa medida, o papel essencial que a ciência representa para a humanidade, não apenas no sentido de apontar caminhos para a solução de problemas específicos, mas também como um importante elemento de desenvolvimento econômico. Não é mera coincidência que os países que mais rapidamente desenvolveram antígenos contra o novo coronavírus se situem entre as nações mais prósperas do planeta. A ciência, o desenvolvimento de novas tecnologias e a inserção destas no mercado constituem, de fato, ferramentas indispensáveis para se desenvolver economicamente um Estado, um país ou uma região.

No caso específico de Minas Gerais, o principal desafio é maximizar o poder de transformação que a ciência representa, convertendo produção de conhecimento em geração de emprego e renda. Ainda que haja casos de sucesso importantes, que merecem ser sempre louvados, ainda há muito o que fazer, sobretudo na aproximação entre instituições de ensino e pesquisa e a iniciativa privada, cuja principal preocupação é gerar resultados financeiros que justifiquem a atuação neste ou naquele setor da economia. Eis, talvez, o principal papel que hoje o Estado pode cumprir na agenda da inovação, qual seja, o de ser um amálgama entre academia e mercado.

Nessa seara, não há como o Estado se abster totalmente do fomento à pesquisa científica, sobretudo quando esta acontece em estágios muito incipientes. A pesquisa básica, fundamental para se chegar a grandes descobertas, corre sempre grande risco de não alcançar resultado algum, motivo pelo qual ela se torna, em princípio, pouco interessante aos olhos do mercado. Governos, nesse sentido, alocam recursos para que a atividade científica possa avançar até que se chegue a um nível satisfatório de resultados. O momento é comumente chamado de “technology readiness level”, ponto em que a tecnologia está madura o suficiente para finalmente despertar o interesse do setor privado, que assume o papel de protagonista do investimento em inovação. É assim nos EUA, na Alemanha, na Rússia, no Japão, na Coreia do Sul, na China ou em Israel, países que se notabilizam por serem polos difusores de novas tecnologias. O que tais países apresentam, entretanto, como grande diferencial é o foco, seja em áreas nas quais existe uma prioridade de Estado, como é o caso dos segmentos de segurança e defesa nos Estados Unidos e em Israel, seja onde existe um potencial prévio para que as pesquisas em determinados setores gerem resultados de impacto na economia, como vem sendo nos países asiáticos em temas como telecomunicações, robótica e aparelhos médicos.

O Brasil, nos anos 70, em pleno regime autoritário, foi profícuo em alavancar setores promissores da economia por meio de investimentos maciços em ciência e tecnologia. No fim da década de 1960, por exemplo, éramos o segundo maior mercado aéreo do mundo, motivo pelo qual fazia sentido o investimento em uma fabricante nacional de aeronaves. A Embraer surgiu, portanto, entre outros fatores, a partir de uma lógica de mercado. No caso da revolução do agronegócio, a vastidão territorial e a gigantesca exposição ao sol típica de um país tropical foram os insumos básicos que levaram à adoção de um robusto programa de capacitação de professores e cientistas, que redundaram na apropriação de uma enorme quantidade de terras antes consideradas improdutivas, legando ao Brasil de hoje a condição de ser um dos maiores líderes mundiais na produção de alimentos.

Evidentemente, o Estado brasileiro não mais dispõe da capacidade de investimento de outrora, diante de prioridades marcadamente prementes, entre as quais a da própria estabilidade macroeconômica. Contudo, enquanto facilitador ou articulador, governos devem trabalhar em parceria com o setor privado e com a academia, de maneira a que setores promissores, nos quais o potencial salta aos olhos do próprio mercado, sejam alavancados.

Se fizermos um raio-x de um Estado como Minas Gerais, veremos um enorme potencial de crescimento nas áreas de energia renovável, biotecnologia, indústria aeroespacial e minerais portadores de futuro, apenas para citar algumas.

A tão almejada diversificação econômica mineira só acontecerá, portanto, quando pudermos aproximar o dinamismo econômico de Minas da não menos pujante atividade científica de nossas instituições acadêmicas. No caso do centro de inteligência artificial da UFMG voltado para a saúde, foi a fórmula que funcionou e que veio para ficar.

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