MÁRCIO COIMBRA

Segue o samba

Existe uma diferença conceitual sobre as teses defendidas pelo presidente em sua vida política e seu ministro da Economia em toda sua trajetória. Isto tem causado fricções e tensão no mercado


Publicado em 24 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
 
normal

Liberalismo e corporativismo são dois temas que não rimam em qualquer governo, marchinha ou samba enredo. Por serem modelos antagônicos, colocam aqueles que defendem os privilégios de um grupo em contraponto ao sistema que deseja extinguir regalias. Guedes, um economista formado dentro da Escola de Chicago, pertence ao grupo dos liberais, que desejam uma reforma administrativa ampla, que mexa nas arcaicas estruturas patrimonialistas do Estado brasileiro.

Se de um lado possuímos um ministro reformista, do outro encontramos um político patrimonialista, que sempre se elegeu na lógica da defesa corporativista de um grupo, pontuando ao longo de três décadas no Parlamento a proteção especial das famílias militares. Como vemos, existe uma diferença conceitual sobre as teses defendidas pelo presidente em sua vida política e seu ministro da Economia em toda sua trajetória. Isto tem causado fricções e tensão no mercado.

Isto ocorre porque o mercado ainda não se convenceu completamente da recente conversão do presidente ao credo liberal profetizado por Guedes. A desconfiança está expressa no valor do dólar, atraso nas reformas e falta de investimentos. Para fazer com que os desejos do presidente se concretizem, com a economia crescendo a 2% em 2020, é preciso fazer mais e melhor e isto passa por uma melhor articulação com o Congresso Nacional e uma sintonia fina com seu ministro.

As reformas liberais de Guedes, que começaram pela previdência, caminham pela administrativa e que devem desaguar na desvinculação dos fundos e em um novo pacto tributário passam pelo Parlamento. Sem uma liderança forte no front político e refém de declarações polêmicas que atacam o Congresso, a derrota do governo e das propostas de Guedes nos salões do legislativo são praticamente uma certeza.

Soma-se a isto a postura do presidente em não avançar em temas espinhosos. Uma reforma administrativa robusta e necessária passa pelo governo mexer nas regras dos atuais funcionários públicos. Esta é a tese defendida por Guedes, que sofre a resistência de Bolsonaro, que poderia se inspirar nos presidentes americanos James Garfield e Chester Arthur que deixaram esta importante reforma como legado. Enquanto isso, as duas propostas de reformulação do sistema tributário em tramitação no Congresso não trazem as digitais do governo.

Os rumores sobre uma eventual saída de Guedes passam por esta realidade. A colisão entre uma visão liberal e outra patrimonialista é aquilo que o afasta do presidente, ao mesmo tempo que o ministro não encontra robustez na articulação política do governo para aprovar suas medidas. O mercado sente este descompasso, entre um ministro com uma visão pró-mercado e um presidente que defendeu por décadas o falido modelo estatista dos anos militares.

Por hora, tudo indica que o ministro, fiador da política econômica do governo diante do mercado, continua em seu posto. Entretanto, cabe ao governo facilitar a vida de Guedes, empenhando-se em construir maioria parlamentar sólida para que suas propostas sejam aprovadas e a economia finalmente se movimente com intensidade. A dúvida que paira é se Guedes mereceria um presidente reformista ou Bolsonaro preferiria um ministro patrimonialista. Por enquanto, continuamos com este delicado equilíbrio. Segue o samba.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!