Sob emoção indescritível li que o Brasil incluiu no Sistema Único de Saúde o Transplante de Medula Óssea (TMO) do tipo Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas Alogênico (TCTHA), que trata e até cura em 80% a anemia falciforme.
A decisão de grande impacto na saúde pública consta na Portaria 30 (“Diário Oficial da União” de 1º.7.2015), que define o uso em anemia falciforme do transplante de células-tronco hematopoéticas entre parentes a partir da medula óssea, de sangue periférico ou de sangue de cordão umbilical.
É uma vitória duramente conquistada: o TCTHA deixa o caráter experimental e vira tratamento disponível no SUS! A estimativa é que haja no Brasil entre 25 mil e 50 mil falcêmicos, que apresentam altas taxas de morbidade e mortalidade precoce.
A anemia falciforme é um exemplo clássico da seleção natural de Darwin/Wallace: pessoas com anemia falciforme não contraem malária, pois o Plasmodium não se desenvolve em células em forma de foice! Surgiu na África, em zonas endêmicas de malária, e chegou às Américas via tráfico de escravos.
A doença resulta de uma mutação na molécula de hemoglobina, que adquiriu a forma de meia-lua ou foice, por meio de uma alteração na estrutura da hemoglobina: substituição do aminoácido (unidade das proteínas) ácido glutâmico pela valina, que confere à hemoglobina S, quando desoxigenada, a capacidade de se agregar, formando fibras de hemoglobina S, que deformam a hemácia, dando-lhe aspecto de foice.
A anemia falciforme é uma descoberta da “velha genética”, ou genética clássica. Foi a primeira doença molecular humana a ser descoberta (pelo médico James Herrick, em 1910, em Chicago, no sangue de um estudante de medicina negro nascido nas Antilhas). No Brasil, distribui-se heterogeneamente, sendo mais frequente onde a proporção de antepassados negros da população é maior (Nordeste). Depois de mais de um século, brasileiros poderão acessar o único tratamento de cura!
O TCTHA está indicado, conforme os critérios da portaria, “para pacientes com doença falciforme em uso de hidroxiureia que apresentem, pelo menos, uma das seguintes condições: alteração neurológica devido a acidente vascular encefálico, alteração neurológica que persista por mais de 24 horas ou alteração de exame de imagem; doença cerebrovascular associada à doença falciforme; mais de duas crises vasoclusivas (inclusive síndrome torácica aguda) graves no último ano; mais de um episódio de priapismo (ereção involuntária e dolorosa); presença de mais de dois anticorpos em pacientes sob hipertransfusão; ou osteonecrose em mais de uma articulação”.
O transplante de medula óssea é procedimento de alta complexidade e exige estrutura hospitalar e equipe multidisciplinar de alta qualificação, bem como a expansão dos centros de transplantes, que em 2003 eram apenas quatro e hoje são 27, insuficientes para atender a nova demanda.
Há pedras no caminho, e o Ministério da Saúde está ciente e tomando as medidas cabíveis, conforme a Portaria 2.758, que prevê medidas como a triplicação dos leitos existentes, passando de 88 para 250, até 2016, “investindo R$ 240 mil para abertura de cada novo leito ou ampliação dos já existentes”.
Não temos de esperar pra ver. Precisamos lutar muito para que o sonho vire realidade como um dos pontos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2009), que está à deriva e só sairá do papel com muita luta ideológica e política pela sua concretização.
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