Poucos assuntos dão tanto pano pra manga quanto relacionamento. Quando o tema é casamento então, é bom se preparar para lavar roupa suja. E como um assunto de caráter atemporal, é de 1962 o texto do dramaturgo norte-americano Edward Albee considerado como definitivo no teatro sobre a experiência da união conjugal.
Com humor cáustico e diálogos cortantes, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?”, de Albee, coloca em cena dois casais numa claustrofóbica situação de fim de festa, que não demora a se transformar em um jogo de perversões e manipulações.
No cinema, o casal protagonista Jorge e Marta foi imortalizado por Elizabeth Taylor e Richard Burton em 1966. No teatro brasileiro, já foi encenado por duplas como Walmor Chagas & Cacilda Becker (1965), Raul Cortez & Tônia Carrero (1978) e Marco Nanini & Marieta Severo (2001).
Dessa vez, Zezé Polessa e Daniel Dantas formam o casal de anfitriões que, em crise e bêbados, expõem as suas e as mazelas dos jovens cônjuges que recebem em casa. Regados a uísque, os quatro rasgam os verbos e destilam seus venenos pela sala de estar. Com direção de Victor Garcia Peralta e cenografia de Gringo Cardia, “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” cumpre temporada no próximo fim de semana no Cine Theatro Brasil.
O nome da peça é um trocadilho com o apelido da escritora britânica Virginia Woolf e uma paródia ao título da canção infantil “Quem Tem Medo do Lobo Mau?” (do desenho infantil “Os Três Porquinhos”, de Walt Disney, de 1933).
De acordo com Zezé, por pouco não foi feita uma adaptação para que o título soasse mais abrasileirado. “A Virginia é uma escritora que dá medo, ela vai nas profundezas da alma humana”, define a atriz, se referindo à norte-americana, autora de “Ms. Dalloway”. “A literatura de Virginia Woolf é um tipo terrível de mergulho nos sentimentos e nos pensamentos, que dá mesmo pra comparar ao Lobo Mau. O João (Polessa Dantas, seu filho, tradutor do texto) queria fazer ‘Quem Tem Medo de Clarice Lispector’, já que ela se assemelha nesse passeio pelas caraminholas da mente humana. Eu até gostaria mais: Clarice puxa mais pro feminino, enquanto a Virgínia vai mais para o conjunto do humano”, diz, comentando sobre a escolha por reencenar o texto de Albee.
“A qualidade do texto e do tema justificam a nossa escolha: ambos são eternos e inesgotáveis. Falamos sobre relacionamentos, sonhos, desejos, frustrações e como o ser humano lida com tudo isso. Eu venho falando sobre o casamento há um tempo no teatro, e essa peça é uma máxima sobre isso em termos de aprofundamento e detalhamento psicológico das personagens”, observa Zezé, intérprete de Marta, filha do reitor da universidade em que Jorge leciona história. Erom Cordeiro e Ana Kutner completam o elenco como Nick e Mel, o jovem casal ainda iludido pelo início do amor que acaba de se mudar para o campus.
A busca de Marta em Jorge por um homem à altura do pai, sufoca o marido e torna-o frustrado, amargo e irônico – o que desperta nela uma violência surpreendente. “Ela fala coisas que você não entende como é capaz. Ela projeta seus sonhos todos no marido, mas ele só quer escrever livros. Ela é espaçosa, mimada, mas Marta é muitas mulheres. Eu tenho dó dos equívocos dela, mas, ao mesmo tempo, me admiro com a força e me divirto com o humor. Marta e Jorge têm tiradas ótimas e cruéis”, avalia Zezé.
Intimidade
Walmor e Cacilda eram casados na vida real à época da montagem, bem como Elizabeth Taylor e Burton à época do filme. Zezé e Dantas, já separados há 20 anos, hesitaram, a princípio, sobre contracenar. Marco Ricca e José Wilker foram cotados para o papel de Jorge, até que a leitura de Dantas surpreendeu. A intimidade, então, tratou de tornar tudo mais simples e, ao mesmo tempo, mais complexo. “Na correria para finalizar a montagem, nossa intimidade facilitou, mas também complicou. Exatamente por termos sido casados e estarmos numa peça com esse tom. Emocionalmente foi mais difícil”, confessa Zezé, que também divide o palco com Ana, filha de seu segundo ex-marido, Paulo José. Seu único filho com Dantas, João Polessa, além de tradutor trabalhou como assistente de direção.
“Quando me abraça, a Ana coloca a cabeça no meu peito como uma filha. Hoje ela cresceu e é uma super profissional, super mulher de teatro. Tem uma coisa: não dá pra trabalhar com filho, ex-marido e enteada se eles não forem bons. A gente só está junto nessa porque se admira profissionalmente e acha que o outro acrescenta ao trabalho”, afirma.
“Império”
Atualmente no ar em “Império”, novela de Aguinaldo Silva exibida às 21h pela Rede Globo, Zezé confessa estar ainda no estágio de entender a personagem Magnólia, caipira repaginada que incentiva a filha Maria Isis (Marina Ruy Barbosa) a aplicar um golpe no milionário José Alfredo (Alexandre Nero). “Estou aqui agora estudando. Ainda estamos encontrando um tom, mas estou gostando. É uma família de pais muito cruéis: a amoralidade deles é uma coisa que choca. É gauche, é engraçado, mas eles são perversos. Não posso nem aliviar demais com o humor e nem deixar que o humor se perca. É tragicômico, mas está sendo ótimo”, conclui.
"Quem Tem Medo de Virginia Woolf?"
Com Zezé Polessa, Daniel Dantas, Ana Kutner e Erom Cordeiro
Cine Theatro Brasil Valourec (r. dos Carijós, 258, centro, 3222-4389). Sexta (22), às 21h; sábado (23), às 20h; e domingo (24), às 19h. R$ 60 (inteira, plateia 1 e 2) e R$ 50 (inteira, plateia superior).
Haverá debate após a sessão de sexta (22).