Faz quase dez anos que o ator e diretor Gustavo Gasparani se debruçou pela primeira vez sobre a vida e a obra de Zeca Pagodinho, no intuito de produzir algo a partir dela. “Eu ouvi tudo o que ele fez com a intenção de criar algo sobre esse homem do subúrbio”, conta. Um tempo depois, porém, soube que alguém já havia comprado os direitos de produção de um espetáculo biográfico sobre o músico e acabou desistindo do projeto.
Foi quando, em 2012, a produtora Victoria Dannemann, sem jamais saber que aquele era um desejo seu, o ligou convidando para criar um espetáculo justamente a partir desse tema. Assim nasceu o musical “Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba”, que estreou no ano passado no Rio de Janeiro e agora, em turnê nacional, passa por Belo Horizonte no próximo fim de semana (dias 24 e 25).
“Ela queria fazer uma coisa mais calcada na realidade, mas eu disse ‘ele está vivo, está atuando, vamos fazer uma coisa diferente’”, afirma Gasparani que, além de dirigir e interpretar o homenageado no segundo ato do musical, o escreveu. “Conto a história como se fosse uma fábula, um herói do subúrbio carioca, uma espécie de Macunaíma. Me baseio neste personagem para construir seu caráter no primeiro ato e no segundo conto a relação desse homem com o sucesso”.
Além da inspiração na obra de Mário de Andrade (1893-1945), Gasparani mergulhou novamente na vida e obra de Zeca Pagodinho, e dessa vez foi mais fundo. Leu os livros “Zeca Pagodinho – A Vida que Se Deixa Levar” (ed. Nova Fronteira), de Luiz Fernando Vianna, que conta sua vida, e “Zeca Pagodinho – Deixa o Samba Me Levar” (ed. Loyola), de Leonardo Bruno e Jane Barboza, focado em sua obra. Também ouviu todas as suas músicas e letras, além de ler e assistir a inúmeras entrevistas, em especial com grandes entrevistadores como Marília Gabriela, Leda Nagle e Jô Soares. Conversas com amigos e pessoas envolvidas com Zeca e também com o próprio artista arremataram o processo de pesquisa.
O resultado é a história de Jessé Gomes da Silva Filho (nome de registro do homenageado) que mistura realidade e fantasia. Estão lá figuras importantes da vida de Zeca, como Beth Carvalho e seu tio-avô Tibau, assim como personagens alegóricos, como São Cosme e Damião e um fantasma – entidade da qual o artista tem medo de verdade, na vida real – que acaba por se revelar uma espécie de consciência dele mesmo.
Dois Zecas no palco
“Foi o recurso que usei para colocar o artista famoso dialogando com o homem do povo sobre o sucesso, a vida. É uma brincadeira que deixa clara uma característica do Zeca, que para mim é a razão do seu sucesso: ele é muito genuíno, fiel às raízes, não mudou com o sucesso”, explica o ator. “Tenho certeza que muita gente só ouviu falar em Xerém, Irajá, Madureira (bairros do subúrbio do Rio de Janeiro) graças a ele. É um cara que levou sua cultura para o Brasil, não quis mudar, quis se revelar”.
Cinco músicos e 13 atores se juntam para contar a história, que se desenrola numa roda de samba. “Fiz um roteiro musical a partir do repertório dele, incluindo sucessos que ele compôs e outros dos quais foi intérprete”, diz. A direção de arte e cenografia de Gringo Cardia, além de outros elementos como iluminação, figurino e coreografia se complementam na composição da atmosfera de fábula do espetáculo.
Zeca Pagodinho esteve envolvido com o musical em todas as suas etapas. “Eu fiz o roteiro e mostrei pra ele. Depois escrevi os diálogos e mostrei. Ele acompanhou ensaios e depois, com a peça pronta, foi ver quatro vezes, lá no Rio. Nas vezes que foi, subiu ao palco e cantou conosco no final”, conta.
Reação emocionada
A estreia fez o artista chorar. “A morte do meu tio e do meu pai. Nesses trechos foi difícil segurar a emoção”, disse Zeca à época ao blog Gente Boa, do jornal “O Globo”. “O espetáculo me fez lembrar de coisas que eu já não tinha mais na memória”, acrescentou.
Satisfação para Gasparani que seu homenageado tenha sido tão tocado pelo trabalho. “É um cara que venceu na vida sendo íntegro, fiel às suas origens, sem renegar verdades, mazelas. A peça conta a história dele e ele deixa contar. Quantas homenagens não contam? Ele está vivo e tudo está ali, mas do jeito dele, que é um brincalhão. Por isso escolhi esse formato”, conclui.
Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
Cine Theatro Brasil (av. Amazonas, 315, centro, 3201-5211). Dias 24 e 25. Sábado, às 21h; domingo, às 19h. R$ 80 (plateia 1, inteira), R$ 70 (plateia 2 A, inteira), R$ 50 (plateia 2 B, inteira)