Quando Angela Maria canta, tudo o mais fica em segundo plano. Não há exagero em dizer, quanto mais sobre uma cantora surgida na época em que o derramamento sofria aclamação. No clipe que promove o novo lançamento da Sapoti (apelido recebido de Getúlio Vargas em alusão à fruta que lembraria a cor da sua pele e o sabor da voz), a intérprete não economiza em nada, nem mesmo antes de cantar “Você em Minha Vida”.
A exemplo do ex-jogador de futebol Gérson, ela afirma ter sido um bebê diferenciado. Se o primeiro não “chutava” a barriga da mãe, mas “lançava”, como ele brinca, Angela garante na abertura do vídeo que não chorou ao nascer, mas, para surpresa da equipe médica, deu um de seus famosos agudos, hoje tão conhecidos que ela sustenta que só deixará o palco quando imprimir pela última vez a nota que encerra a música “Babalú”, sucesso definitivo de trajetória iniciada no ano de 51.
Presente. A mais longeva cantora da Era de Ouro do Rádio no Brasil é símbolo do que permanece, e não do que passa. Ela representa valores que não estão mais em voga nos tempos da novidade.
Aos 88 anos recém-completados, Angela acaba de colocar no mercado, pela gravadora Biscoito Fino, mais um trabalho inédito. Se no auge o ritmo era de um disco por ano, ela não tem ficado tão atrás atualmente. De dois em dois anos aparece um álbum novo da cantora, além de outros produtos que ratificam sua relevância, como outros dois DVDs e uma biografia escrita pelo jornalista Rodrigo Faour.
“Angela Maria e as Canções de Roberto & Erasmo” enfileira dez canções da dupla, número que traz a justeza da iniciativa. A bem cuidada produção adorna os arranjos com leveza e modernidade e tem, sobretudo, a sábia percepção de que, quando Angela canta, tudo o mais fica em segundo plano – nunca é demais repetir. Se a extensão vocal, obviamente, não é a mesma de outrora, o timbre único e imantado é suficiente para dar segurança a canções de território que ela conhece bem, justamente por ser imutável: o do romantismo. Assim, Angela soa como clássica, nunca ultrapassada, com todo o glamour de tempos áureos.
Participações. Outro trunfo do lançamento é a escolha das participações especiais. Erasmo comparece em “Sentado à Beira do Caminho”, por sinal a única do repertório mais associada a ele do que a Roberto. Não bastasse a estrutura melódica da canção, Angela e Erasmo conseguem encontrar ponto que oferece a ambos conforto harmônico. O encontro apresenta apelo emotivo que supera as questões de ordem técnica. Em iniciativa de tal envergadura, ressente-se a ausência de Roberto, acostumado sempre ao protagonismo. No entanto, a emoção sobe mesmo de tom quando a voz do eterno “professor” Cauby Peixoto ecoa junto à de Angela nos versos iniciais e finais da canção que encerra os trabalhos. “Como é Grande o Meu Amor Por Você” capta momento único de despedida entre eles, ao menos em estúdio. Dois amigos que legaram à música brasileira duetos épicos.
Falecido no ano passado, aos 85 anos, dois dias depois do aniversário de Angela, Cauby foi, por outro lado, o mais longevo cantor de sucesso da chamada Era de Ouro do Rádio, e deixou lacuna que Angela, bravamente, ainda preenche. Não que ela precise dessa batalha, em relação a reconhecimento de crítica, público ou da história. Mas sim pela vital necessidade exprimida no nascimento, e que só irá cessar ao final do eco daquele último agudo de “Babalú”.
Lançamento
Habilidades de Heraldo do Monte
FOTO: João Nabuco/Reprodução da capa |
LEGENDA |
O recifense Heraldo do Monte prima pela síntese, mas não que ele esteja alheio à complexidade. Em mais um álbum intitulado apenas com o seu nome, e posto no mercado pela Biscoito Fino, o instrumentista – difícil considerá-lo de outra forma, já que ele toca guitarra, cavaquinho, violão e contrabaixo com igual habilidade – apresenta ao público nove canções, número, a rigor, enxuto, mas que se alarga no tempo das execuções. Além de sete autorais, Heraldo interpreta, ao lado de um time não menos competente, e que o acompanha de perto, formado por Edmilson Capelupi, Luís do Monte e Cleber Almeida, duas peças que se tornaram clássicas do choro: “Lamentos”, de Pixinguinha, que recebeu letra de Vinicius de Moraes, e “Doce de Coco”, de Jacob do Bandolim, letrada por Hermínio Bello. O álbum é todo instrumental.
Os tambores cantam com Silvan Galvão
FOTO: RUI ZILNET/REPRODUÇÃO DA CAPA |
LEGENDA |
O paraense Silvan Galvão chega a seu segundo álbum mantendo a essência da terra natal e os ritmos folclóricos colhidos junto ao povo amazônico. Em “Tambores que Cantam”, financiado pelo Banco da Amazônia, o intérprete e instrumentista dá voz a 11 canções autorais e um tema composto por Dona Onete, símbolo da tradicional música paraense. Para completar o trabalho, tocado na batida do tambor alegre e descontraído, com forte embalo rítmico, convida nomes de peso que dão seu recado com toda pompa e circunstância a que têm direito. São os casos de Pinduca, ícone do carimbó, presente na melhor faixa do disco, “Puxirum”, além de Xangai, Mestre Solano, Nilson Chaves, Patricia Bastos e Sebastião Tapajós. Todos avolumam trabalho feito no peso do tambor.
Prata da casa
Assanhado Quarteto renova choro mineiro
FOTO: Arte de Leonora Weissmann/Reprodução da capa |
Primeiro álbum do grupo traz miscelânea de influências |
Para André Milagres, Bruno Vellozo, Lucas Ladeia e Rodrigo Heringer, conhecido como Picolé, a música tem um caráter lúdico, tanto que começou para eles “numa brincadeira”. “Estávamos no ensaio do Grupo de Choro do Palácio das Artes, do qual fazíamos parte, e começamos ali a tocar juntos, em trio, então resolvemos levar para a frente essa diversão”, relembra Milagres, que revela a adesão ao trio, na sequência, do baixista Bruno Vellozo.
Formado o quarteto, a escolha do nome veio através de uma música de Jacob do Bandolim: “Assanhado”. Já para o disco de estreia, financiado através da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, o batismo levou em consideração a proposta da trupe. “Feira é onde tem de tudo num só lugar. Nosso disco não é de choro, ele parte dessa raiz e mistura outras influências nossas como, por exemplo, o rock”, avalia Milagres, que toca violão de 7 cordas e guitarra no álbum.
Entre os grupos admirados, Milagres cita o Nó em Pingo D’Água, Aquarela Carioca e Tira Poeira. O primeiro trabalho da banda apresenta dez temas autorais dos integrantes, sendo um em parceria com o violonista mineiro Lucas Telles. “Propor uma renovação é importante, sem desprezar a tradição, ela alicerça o nosso trabalho, mas a novidade vem, justamente, porque o usual já foi feito, e muito bem por sinal”, conceitua Milagres.