O governo brasileiro decidiu cancelar os eventos relacionados aos 60 anos do golpe militar ocorrido em 31 de março de 1964, que resultou na derrubada do presidente João Goulart e marcou o início de um período de ditadura militar até 1985. Segundo informações de interlocutores do governo em Brasília, houve uma orientação expressa do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para que nenhum ministério organize um evento alusivo à data.
O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania ia divulgar uma campanha sobre a data, mas teve que voltar atrás após a orientação. No entanto, há autorização para que integrantes da Esplanada participem como convidados de eventos sobre o tema. Integrantes de ministérios responsáveis pelo assunto avaliam que esse gesto representa uma cautela por parte do presidente Lula, considerando os desafios em relação à sua popularidade e às eleições municipais deste ano.
O petista também busca manter uma boa relação com a alta cúpula militar, conseguindo estabelecer uma proximidade crescente com os comandantes militares. Nesta semana, o presidente afirmou ter “carinho” pelas Forças Armadas do Brasil, que são “altamente qualificadas” para garantir a paz. Em seus discursos, Lula tem direcionado o foco para a tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro de 2023, em vez de destacar o regime militar.
Em uma entrevista, ele afirmou que a ditadura "já faz parte da história" e que não pretende "remoê-la", mas sim impulsionar o país para frente. No entanto, aliados da base do governo consultados pela reportagem de O TEMPO em Brasília demonstram frustração com essa decisão, considerando-a um erro político por não fazer uma demonstração pública sobre esse período.
O ministro chefe das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse nessa quinta-feira (27) em entrevista exclusiva a O TEMPO em Brasília que não cabe ao governo federal a organização de eventos em memória dos presos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar de 1964.
Padilha atribui à sociedade civil o planejamento de atos pelo país em lembrança à data ao negar que o governo federal tenha cancelado uma solenidade que vinha sendo planejada pelo Ministério dos Direitos Humanos, comandado pelo ministro Silvio Almeida, marcada para 1º de abril, no Museu da República, em Brasília. A cerimônia exaltaria a luta de militantes e perseguidos pelo regime de exceção comandado pelos militares.
“Tem eventos que a sociedade faz, é papel da sociedade fazer, ao longo do ano. E ao longo de quatro anos de governo tem vários compromissos do Ministério de Direitos Humanos em reparação da memória. E não vai ter qualquer tipo de recuo em relação a isso, as organizações vão continuar fazendo, vai aparecer um tema muito mais de organizações da sociedade, a atividade da sociedade”, disse Padilha.
Questionado se haveria uma orientação do Palácio do Planalto e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que atos que poderiam estremecer as relações do governo com as Forças Armadas, que tiveram papel de destaque no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Padilha desconversou.
“Eu quero parabenizar, porque eu acredito que os comandantes das Forças Armadas e o ministro José Múcio, da Defesa, estão tendo uma postura muito firme em cumprir o papel constitucional das Forças Armadas, e tenho a convicção de que não vão titubear em punir qualquer indivíduo ligado, servidor militar, que tenha participado dos atos criminosos preparatórios no dia 8 de janeiro e da própria tentativa de golpe no dia 8 de Janeiro”, afirmou o ministro.