Em meio a atrito

Fazenda aponta ineficácia da desoneração e vê retração de setores beneficiados

A conclusão foi declarada em um estudo da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda; a desoneração virou uma queda de braço entre o governo e o Congresso

Por O TEMPO Brasília
Publicado em 27 de abril de 2024 | 18:44
 
 
 
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Em meio à briga do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que age pelo fim da desoneração da folha de pagamento para setores da economia, e do Congresso Nacional, que defende o incentivo fiscal aprovado por parlamentares, um estudo do Ministério da Fazenda apontou que o estímulo contraria o interesse público. O documento também apontou que o estímulo é ineficaz no objetivo de gerar emprego e que setores beneficiados tiveram retração no número de postos de trabalho.

O documento foi elaborado pela Secretaria de Política Econômica (SPE) e publicado na sexta-feira (26). O texto indica que “o desenho atual da política não é justificável em termos de eficácia, efetividade e interesse público”. Ainda, que “a racionalização do benefício da folha de pagamentos e a mudança de seu desenho é uma recomendação de política pública que deve ser buscada pelos atores envolvidos no processo de policy-making do país”.

A desoneração, que reduz a alíquota sobre os salários de 20% para até 4,5% (ou para 8% no caso de alíquotas previdenciárias de pequenas prefeituras), virou uma queda de braço. O incentivo vem sendo prorrogado de forma sucessiva pelo Congresso e, no fim do ano passado, foi estendido até 2027. A decisão, no entanto, foi barrada por Lula, mas o veto do presidente foi derrubado por deputados e senadores.

O governo, então, retomou a reoneração gradual por meio de uma Medida Provisória (MP), que tem aplicação imediata. Em outra decisão, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), manteve a desoneração para cidades de até 156 mil habitantes, revogando parte da MP de Lula.

A última jogada foi a vitória de Lula, que conseguiu uma decisão favorável ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin para suspender o efeito de trechos da lei que prorroga até 2027 a desoneração. O caso foi para julgamento no plenário da Suprema Corte e irritou o Congresso. Na sexta-feira, Pacheco informou um recurso contra a decisão de Zanin.

No estudo, a SPE justifica os elevados valores de renúncia fiscal gerados pela política de desoneração da folha de pagamentos, desde a implantação do sistema, em 2012. O pico, segundo o órgão, foi em 2015 com R$ 25,2 bilhões em renúncia. Para 2024, a estimativa é de um custo de R$ 15,8 bilhões.

Sobre a proposta de reoneração gradual, o documento cita: “O novo desenho, focalizado no primeiro salário mínimo de cada empregado, pode ser pensado como um laboratório para uma política de desoneração do custo laboral linear entre setores, mas que atenda a critérios de progressividade, estimulando proporcionalmente mais, de forma indireta, os setores que empregam mão de obra formal de salário-base e de jovens entrantes no mercado de trabalho”, esclarece o material.

De acordo com a equipe econômica, não há experiência internacional bem-sucedida em termos de geração de empregos formais com o sistema de desoneração brasileiro. Há, segundo o estudo, dois modelos que são positivos, mas diferentes do que é aplicado no Brasil.

A primeira linha que obteve sucesso envolve políticas que abrangem linearmente todos os setores e durante período limitado. A segunda trata de políticas focalizadas em determinados segmentos da população, como o de mão de obra menos qualificada ou o de jovens entrantes no mercado de trabalho, com períodos de maior duração. 

"As evidências encontradas sobre o desempenho da política no Brasil, em termos de impactos socioeconômicos, principalmente sobre o nível de emprego, salários e competitividade, não sinalizam em consenso para um bom e adequado desempenho da política”, cita o estudo.

Análise sobre eficácia da desoneração

Em uma abordagem sobre a eficácia do incentivo, o estudo indicou que o grupo amplo de atividades desoneradas apresentou retração no número de vínculos e no rendimento agregado entre 2015 e 2021. Houve, nessa parcela, perda da participação no total de emprego e de remuneração da economia ao longo do período de desoneração. Já as atividades não desoneradas, de acordo com o levantamento, expandiram o número de vínculos e a massa salarial. 

“Apenas um grupo de setores desonerados pela política, que se enquadram em 32 classes de atividades CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas], apresentou dinâmica do emprego e rendimento superior ao grupo de não desonerados. Este grupo abarca 32 classes CNAE que estão desoneradas desde 2012, ao passo que 229 outras classes desoneradas, estratificadas em outros três grupos de acordo com o período de entrada e vigência da política, apresentaram dinâmica pior do que a do grupo de não desoneradas”, cita a SPE.

O estudo informa que "o melhor desempenho do grupo de atividades desoneradas desde 2012 até 2021 parece estar mais associado a características da dinâmica dos setores envolvidos e à conjuntura econômica, social e global do que ao impacto específico e positivo da política, já que uma gama de outras atividades desoneradas não apresentaram comportamento semelhante”.

O estudo desassocia a inclusão ampla e irrestrita de produtos e atividades econômicas desonerados ao longo do período de vigência da política a critérios técnicos e boas práticas recomendadas pela política industrial.

Alcance da desoneração

A SPE declarou ser enganosa, inconsistente e uma distorção da realidade a informação de que a política de desoneração é aplicada aos 17 setores que mais empregam mão de obra no país”. A versão mais recente da lei beneficia 43 classes econômicas e aproximadamente 2.638 produtos ou mercadorias, diz o órgão. As atividades desoneradas representavam 17% do número de vínculos e 7% da massa salarial em 2021.

O levantamento faz uma defesa do projeto de lei do governo enviado ao Congresso Nacional em fevereiro que restringe o estímulo fiscal para 17 setores e prevê alíquotas menores até o limite de um salário mínimo por trabalhador (R$ 1.412 hoje). O texto defende que essas taxas subam gradualmente até 2027.

"O Projeto de Lei (PL) nº 493/24 buscou apresentar uma proposta alternativa à judicialização da prorrogação da política de desoneração aprovada pelo Congresso Nacional, buscando endereçar sua inconstitucionalidade e incompatibilidade orçamentária, além de tentar mitigar os problemas de mérito econômico e social associados à política”, sugere o estudo.

A SPE acrescentou que a inconstitucionalidade da lei que prorrogou a desoneração até 2027 está associada à proibição do financiamento da Previdência Social por meio da contribuição substitutiva sobre a folha de salários. Isso por conta do impacto de R$ 15,8 bilhões para 2024 que é incompatível com o Orçamento deste ano.

A proposta do governo, segundo o levantamento, busca minimizar distorções, mantendo determinado nível de desoneração para setores em que há atualmente maior relevância do uso do benefício, além de apresentar "mecanismo gradual de redução do benefício para que as empresas tenham tempo de se ajustar".

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