As redes sociais vieram para ficar. Todos nós, ou quase todos, somos usuários ou até mesmo escravos do Facebook, do Instagram, do YouTube, do WhatsApp, do TikTok e do Google. Nas redes sociais, é possível assistir a belíssimos shows, interessantes debates, a fantástica entrevista de Muhammad Ali sobre racismo ou rememorar jogadas geniais de Pelé, Zico ou Ronaldinho Gaúcho. Por outro lado, é possível também ser vítima da mais radical estupidez e da mais profunda ignorância.
Confesso que não sou especialista nas tramas e nos segredos da internet e que também não tenho paciência para responder, um a um, a cada comentário provocado. Mas as tempestades de sandices, como a da última semana, sobre a posse de Joe Biden, o livro de Chico Buarque, “Essa Gente”, e a vacina do Butantan, me fazem publicar, vez ou outra, frases de pensadores de várias épocas, que traduzem meu espírito diante de afirmações assertivas de que Biden é comunista, de que a vacina de Doria é ineficaz – só marketing e uma trama diabólica da China – e de que Chico é terrorista e deveria estar preso, além de centenas de postagens impublicáveis.
Claro que as reações violentas e mal-educadas em muito partem dos conhecidos robôs e algoritmos dos “engenheiros do caos”. Mas muitos dos fanáticos ideológicos são de carne e osso, alguns até amigos próximos ou ex-eleitores decepcionados. A eles dedico algumas citações que postei ao longo dos últimos dois anos: “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis” (Umberto Eco); “A estupidez é infinitamente mais fascinante do que a inteligência. A inteligência tem seus limites; a estupidez, não” (Claude Chabrol); “A ignorância é a maior multinacional do mundo” (Paulo Francis); “O ignorante afirma, o sábio duvida e reflete” (Aristóteles). Pode parecer arrogante, e de certa forma é. Mas, do jeito que as coisas vão, estamos caminhando celeremente para o império da ignorância e de suas “verdades” instantâneas, incultas e alternativas.
Minha geração foi criada na boa literatura. E, feliz ou infelizmente, crescemos para ter mais dúvidas do que certezas e, por consequência, sermos mais tolerantes e abertos.
Fato é que “Essa Gente”, de Chico Buarque, é uma boa leitura, embora prefira do autor “Budapeste”; o esforço gerencial hercúleo de João Doria e do governo de São Paulo frutificou na única vacina disponível para a imunização da população brasileira; e o experiente, moderado e conciliador Joe Biden tomou posse para pacificar os espíritos nos EUA e retomar a cooperação global, inicialmente retornando a OMS e ao Acordo de Paris.
De tudo, ficam lições. É preciso a eterna vigilância para garantir a liberdade. Nossa política externa terá que tomar novos rumos. Teremos que repensar nossa inserção no mundo globalizado, visto que ficou evidenciada a nossa total dependência para obtenção de medicamentos, equipamentos médicos, insumos farmacêuticos, vacinas. Teremos que fortalecer o SUS e o desenvolvimento científico e tecnológico. Não poderemos nos contentar passivamente em sermos apenas produtores de commodities (soja, café, proteína animal, minério de ferro).
Eu bem sei que não é fácil ser um “iluminista” na era das redes sociais, com suas “verdades” superficiais e lacradoras. Mas as trevas não são uma boa opção para o Brasil. As trevas passam. Trump sua arrogância e intolerância, passaram.