O governo dos Estados Unidos se encontra em estado de paralisia parcial desde antes do Natal, impossibilitado de remunerar servidores de vários setores, transferir recursos a Estados e municípios e manter seus órgãos em funcionamento. Agentes de segurança dos presídios do país trabalham sem pagamento há semanas, em situação que se assemelha às crises recentes de alguns Estados brasileiros.
O motivo desse bloqueio ao governo federal é o impasse que se prolonga entre a gestão de Donald Trump e a Câmara dos Deputados, dominada pela oposição. Mais do que inaugurar um estilo combativo de relacionamento com o Executivo, os democratas, que recentemente passaram a compor a maioria dessa Casa legislativa, desejam enfrentar um dos símbolos mais marcantes da campanha que levou Trump ao poder em 2016: o muro ao longo da fronteira com o México.
Uma vez que obras custam dinheiro, e esse só pode ser gasto a partir da aprovação do Legislativo, armou-se assim o impasse fiscal que os EUA vivem hoje: enquanto o muro estiver nos planos de Trump, não vai haver aprovação dos gastos federais pelo Legislativo.
Todo o país aguarda, portanto, o desenrolar de uma discussão sobre política migratória que vinha, desde 2016, ocorrendo muito mais como um jogo de estereótipos e imagens do que como uma verdadeira discussão sobre um projeto de nação. Querendo ou não, agora os norte-americanos estão sendo forçados a debater qual tipo de povo e país pretendem ser no futuro: se permanecem como a pátria das oportunidades e do recomeço, aberta a todos que estiverem dispostos a trabalhar e contribuir, ou se os EUA passarão a uma condição de isolamento e preciosismo em torno da auto-imagem que escolheram para si.
Curiosamente, esse tipo de situação não é incomum no mundo de hoje. A Índia passa atualmente por um dilema parecido, no qual foi aprovada em primeiro turno uma emenda à Constituição que facilita a obtenção de cidadania indiana a refugiados que sofressem perseguições em seus países de origem – desde que esses não sejam muçulmanos. Nesse ponto, reside a mesma ideia defendida por Trump: a da existência de um “padrão” para a população do país, que deveria ser preservado a partir da exclusão de pessoas com características diferentes.
Os muçulmanos compõem cerca de 15% da população indiana, e estão presentes nesse território há mais de mil anos. Entretanto, a coalizão populista hindu, que governa a Índia desde 2014, tem criado dificuldades para essa minoria – como sucessivos banimentos a frigoríficos que trabalham com carne bovina, cujo consumo é vedado a hindus, mas não a muçulmanos. O sinal, nesse caso, é bem claro: intolerância às diferenças.
Felizmente, tanto os EUA quanto a Índia são democracias sólidas e tradicionais. E é esse fato que acabará por garantir, mais cedo ou mais tarde, a sobrevivência e dignidade de refugiados e minorias nesses dois países. Mesmo com todos os defeitos, a democracia ainda é o regime que mais defende a liberdade do homem.
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- Paulo Diniz
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Pode não parecer, mas a democracia prevalecerá
Com todos os defeitos, ela é ainda a que mais defende a liberdade
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