O mercado automotivo deve ficar em compasso de espera até que sejam divulgados mais detalhes do novo pacote de incentivos do governo federal à indústria automotiva, com o objetivo de reduzir os preços dos veículos novos que custam até R$ 120 mil. A medida provisória com mais detalhes, como o tempo de duração da nova regra, deve ser publicada em até 15 dias, mas ainda não há uma data específica.
“Se for valer de três a quatro meses, como o ministro (da Fazenda) Fernando Haddad está falando, não tem tempo hábil para agitar os fornecedores de autopeças a produzirem os veículos. E vai demorar de um a dois meses para atender uma demanda nova que pode existir. Pode ter redução de juros, pode ter uma série de benefícios para incentivar a venda, mas se não tiver o carro, não adianta nada”, afirma o consultor automotivo Paulo Roberto Garbossa.
Na última quinta-feira (25), o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou a redução dos impostos federais IPI, PIS e COFINS para os carros populares. A única informação é que o desconto pode chegar a 10,79%.
Um dia depois, o ministro Fernando Haddad disse que o pacote de incentivos deve ter duração de três a quatro meses, o que gerou apreensão na indústria automotiva. Nesta semana, o ministro deve levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um estudo sobre o possível impacto que a renúncia fiscal vai provocar com a medida.
“A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) está pedindo que a medida tenha duração de pelo menos um ano. Porque aí as montadoras têm uma programação, conseguem escalonar, o público interessado sabe que terá até um ano de prazo para comprar e vai se programando porque hoje está todo mundo endividado. Ninguém mais tem dinheiro, está todo mundo duro”, justifica Garbossa.
No dia do anúncio da medida, o presidente da Anfavea, Márcio Lima Leite, disse que a queda de impostos poderia elevar a produção do setor em cerca de 300 mil veículos por ano, apesar de ainda faltarem detalhes sobre o novo pacote de incentivos.
E para o consultor automotivo Paulo Roberto Garbossa, a população mais pobre não será a mais favorecida caso as novas medidas tenham duração menor do que de um ano.
“O que vai acabar acontecendo se o pacote durar só três meses é que ele vai beneficiar um público restrito que ia comprar um carro de R$ 70 mil, que é um carro de entrada, e com a redução vai comprar um outro de R$ 80 mil ou R$ 90 mil, com maior valor agregado, pelo mesmo preço que ele iria pagar em um veículo de entrada”.
Garbossa considera que a medida foi “muito mais política do que qualquer coisa” e não deveria ter sido anunciada antes do governo ter todos os detalhes de como ela funcionaria. E para ele, até os detalhes serem divulgados, o mercado de veículos novos e até o de seminovos ficará parado.
“Para tudo. Porque se você comprar um carro hoje, às vezes poderia estar comprando um em condições melhores em alguns dias. O mercado fica em compasso de espera, não tem como”.
Outros especialistas do mercado automotivo têm opinião semelhante. "A decisão de reduzir preço em si é boa, mas o grande problema é que o governo anunciou, mas não anunciou nada. Da montadora ao consumidor, a gente não sabe o que vai acontecer", analisa Paulo Cardamone, CEO da Bright Consulting.
"Se você vai comprar um carro abaixo de R$ 120 mil agora, por mais que seja um décimo de desconto, você vai comprar agora ou você vai aguardar o decreto sair? Claro que vai esperar. Todo mundo vai postergar um pouco essa compra porque quer entender quais são os benefícios que, porventura, possam ocorrer na compra do veículo", reforça Milad Kalume Neto, diretor de negócios da Jato Dynamics Brasil, uma das maiores empresas de consultoria no mundo.
Pesquisa com os consumidores
Já para Ricardo Bacellar, conselheiro consultivo para a indústria da mobilidade, o governo federal deveria ter encomendado uma pesquisa antes para ouvir quais são as necessidades dos consumidores. Segundo ele, os carros estão caros porque saem de fábrica cheios de itens e acessórios que poderiam ser dispensáveis para a maioria.
“A gente caminhou para uma situação hoje em que o carro vem recheado de tecnologia, mas não importa o que os consumidores queiram ou priorizem. Então todo mundo paga o preço cheio. Ninguém perguntou para o consumidor se ele se interessa por uma chave eletrônica, se para ele é primordial ter um retrovisor elétrico, por exemplo. Mas todo mundo está pagando por esse luxo todo e isto está encarecendo os carros”, afirma.
Bacellar lembrou que os veículos com poucos acessórios, chamados popularmente de ‘carros pelados’, já não existem há tempos na indústria automobilística.
“Olha como faz falta a pesquisa: quem disse que se colocar um carro pelado ou com menos acessórios no mercado o consumidor não vai querer? Quem disse isso? Me mostra uma pesquisa comprovando isso. Eu fiz duas enquetes no LinkedIn, uma dois anos atrás e outra há dois meses e nas duas os consumidores dizem que aceitam reduzir tecnologia no carro para pagar mais barato. E não só no carro de entrada, mas em qualquer modelo”, conclui.
A Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) apoiou o anúncio do governo federal, mas também aguarda os detalhes do pacote de incentivos para a indústria automotiva.
“Estamos confiantes no esforço do governo federal em potencializar o acesso ao carro zero e as concessionárias estarão vigilantes para que os benefícios cheguem ao consumidor final. A redução de preços, que será permitida pela diminuição do IPI e PIS/COFINS, cuja comercialização se dará, no nosso entendimento, exclusivamente por meio das concessionárias, que são o efetivo elo de atendimento e prestação de serviços do mercado, prestigia a população brasileira e impulsiona a renovação da frota nacional rumo à modernização tecnológica, à segurança do trânsito e à descarbonização ambiental”, disse o presidente da Fenabrave, Andreta Jr, em nota publicada pela Federação.
A reportagem de O TEMPO procurou as duas pastas (Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) para saber se há previsão para divulgação da medida provisória. Por e-mail, o Ministério da Fazenda alegou que o questionamento deveria ser feito para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. E este informou que “o pacote está em avaliação pelo Ministério da Fazenda, que pediu alguns dias de prazo”.
Fórmula repetida
Não é a primeira vez que o governo federal tenta alavancar as vendas de carros zero km no Brasil com um pacote de incentivos fiscais. Em 2012, durante o governo petista, houve a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os carros novos.
Na ocasião, a medida representou uma renúncia fiscal de R$ 26 bilhões, mas não surtiu o efeito esperado de impulsionar as vendas, que sofreram uma retração de 0,3%.
O objetivo da desoneração não era estimular o mercado interno, mas sim preservar os empregos no setor automotivo. Nesse sentido, foram criadas mais de 27 mil vagas de trabalho, embora temporárias. A médio prazo, os efeitos, no entanto, foram negativos. Entre 2014 e 2016 as montadoras demitiram cerca de 200 mil trabalhadores.
*(com Igor Veiga)