Até quando a impunidade e a negligência de gestores e administradores vão continuar matando no Brasil? Não bastassem 325 mortos na tragédia de Brumadinho, dos quais apenas 160 tiveram os corpos encontrados, agora dez jovens tiveram suas vidas ceifadas na mais tenra idade, queimados enquanto dormiam dentro de contêineres.
Ao mesmo tempo em que os próprios engenheiros e funcionários presos – e já soltos pelo complacente Judiciário – declararam que a direção da Vale já havia sido alertada de riscos na barragem de Córrego Feijão, a diretoria do Flamengo, responsável pelo Ninho do Urubu, onde os garotos foram carbonizados, havia recebido nada menos que 30 notificações sobre irregularidades nos alojamentos erguidos naquele local. E o que fizeram ambas as diretorias? Nada. E por quê? Porque a impunidade reina no país, como mostra a absoluta ausência de punição para a Samarco e para a diretoria da própria Vale, quanto à não menos catastrófica tragédia de Mariana, que já completou três anos sem ninguém preso e nem mesmo os atingidos indenizados decentemente.
Ações judiciais se arrastam na Comarca de Mariana e na Justiça Federal em Belo Horizonte, enquanto a lama de Brumadinho se desloca rapidamente matando, por completo, o rio Paraopeba e tudo que o cerca. Os magistrados responsáveis por essas causas e os peritos que se eternizam em perícias nessas ações acabam por ser igualmente partícipes desse show de impunidade.
Se tragédias como a de Mariana e de tantas outras que ocorreram no passado tivessem levado à cadeia os diretores das causadoras dos danos e das mortes, por certo a Vale não daria de ombros, como fez para os alertas recebidos, tampouco o Clube de Regatas Flamengo teria ignorado as dezenas de notificações a ele enviadas. Ao contrário, além de nada acontecer aos culpados de, somadas, 335 mortes violentas em 15 dias, prevalecem a prepotência e a arrogância.
A Vale, que há cinco anos já projetava a diminuição até a paralisação total de sua produção em Minas, agora, docemente constrangida, recebe do governo do Estado o presente para descontinuar sua atividade minerária. A Vale regula sua produção de minério em 400 milhões de toneladas no Brasil, sendo cerca de 140 milhões extraídos de Minas Gerais. Tem, no entanto, condições, capacidade e jazidas para minerar muito mais que os 400 milhões de toneladas, que fixa como limite para manter controle de preço no mercado internacional. Assim, a redução ou mesmo paralisação da extração em Minas acarretará para a Vale, primeiro, aumento de preço do minério, que já atingiu inimagináveis US$ 90/tonelada desde a tragédia de Brumadinho e, depois, crescimento de sua produção em Carajás e no Norte do país, onde os custos para extração são muito mais baixos.
Logo, se a Vale quer reduzir a mineração em Minas, que suas concessões de exploração sejam retomadas e licitadas novamente, pois, por certo, nelas haverá interessados nacionais e estrangeiros. O que não pode é, além da vergonhosa impunidade de não se prender ninguém, Brumadinho ainda se tornar um bom negócio. Vale, Flamengo e tantos outros não podem continuar transformando o Brasil num “Vale do Urubu”, onde seres humanos são mortos violentamente, soterrados ou queimados, por negligência, omissão e impunidade de administradores que só visam a receita e lucro. Se isso não é crime, é o quê, então?