Entrevista

As falas sempre necessárias de Frederico Porto

Precisamos fazer o que precisa ser feito, o que, geralmente, não é o que queremos fazer, diz


Publicado em 12 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
normal

Você está no Titanic! Ou sem rumo, no meio do oceano, numa canoa furada, quase um náufrago. O que faz? Procura, acha um farol e nada – em modo Crawl – até a terra firme. No caso, até o Dr. Frederico Porto. Ele tem o mapa da mina e do caminho das pedras. Principalmente neste tão revolto 2020, cheio de icebergs. Em suma, corpo são em mente sã. A fórmula é antiga e sabida, mas como chegar lá? Tratando corpo e mente, claro!

Evitando, por exemplo, as doenças do século: sedentarismo e obesidade, ansiedade e depressão. Uma das chaves é a famosa resiliência. Outras: ser otimista realista e andar com fé, mirando o sentido da vida. Para o resto, basta a curiosidade de ler a entrevista. Boa sessão, ótima palestra! -

Frederico; médico psiquiatra e nutrólogo. É a profissão da hora, do ano 2020?  Sim, com a pandemia então, os nervos estão à flor da pele, e nesse caso a psiquiatria tem o seu lugar. Eu diria que especialmente nos últimos cinco, dez anos, houve uma busca dos pacientes por uma visão mais integral da saúde. Como psiquiatra e nutrólogo busco uma perspectiva corpo e mente. Quando terminei a residência em psiquiatria, me incomodava o fato de receber muitos pacientes que não tinham nenhuma doença, mas que também não estavam saudáveis. Eu sentia que não tinha nada a fazer por eles. Foi quando decidi pela especialização em nutrologia, oferecendo saúde e qualidade de vida. A busca deste estado de bem estar precisa das duas especialidades.

Quais os principais problemas físicos, emocionais e até mentais desta época tão inédita quanto sombria?  Do ponto de vista físico, o nosso grande problema, evidentemente, é o excesso de peso e o sedentarismo. O sedentarismo é o tabagismo do século 21. Já temos um em cada três americanos diabéticos ou pré-diabéticos, isso é insustentável no médio e longo prazo. As doenças geradas por esses quadros, de excesso de peso e sedentarismo, como doenças cardiovasculares e Alzheimer, tem e terão um grande impacto no sistema de saúde.

Falando em Alzheimer entramos nas questões emocionais/mentais e aqui chamo a atenção para depressão e ansiedade. Onde está o Brasil neste ranking?  O Brasil é o país com mais ansiosos no mundo e a depressão já é a segunda causa mundial em perda de dias produtivos. E só tende a piorar. Não à toa, a Organização Mundial de Saúde criou um CID (Classificação Internacional de Doenças) para Burnout, depressão devido ao trabalho. Pela primeira vez, podemos dizer que temos um diagnóstico de depressão com a sua causa. Isso não existia. Quando faço um laudo, por exemplo, para uma licença de trabalho, não escrevo, nem posso dizer que a causa, por exemplo, daquela depressão seja o trabalho. Como agora tem um CID, em minha opinião, será uma revolução, devido ao número de processos trabalhistas que acontecerão no mundo inteiro.

A título de comparação, sabe por que não podemos fumar em ambientes fechados? Porque os trabalhadores fumantes passivos, nos Estados Unidos, passaram a processar as empresas; daí surgiram as leis

Tem espaço para a resiliência humana? Você tem um livro sobre o tema. Não temos outra saída a não ser aumentar a resiliência, a capacidade de adaptação aos desafios que o ambiente nos apresenta, visto que o mundo não vai reduzir a pressão e o estresse. No mundo do trabalho é muito pior porque, quando o trabalho dependia do corpo e operava-se máquinas, até por risco de acidentes graves, o trabalhador tinha que ter tempo de descanso. Agora, que a pessoa leva o serviço para onde ela for através do celular ou computador, sem risco de vida, de amputar a mão em uma máquina; trabalha-se até 24 horas por dia sete dias por semana se quiser. A falta de sono é tão intensa, que não é incomum pessoas terem nível de desatenção, por falta de sono, como alguém que está embriagado.

Aí entra a resiliência, finalmente... O que nos resta é melhorar nossa capacidade de lidar com esse estresse e pressão. E isso é a resiliência. Trabalho com um conceito que chamo de resiliência integral, que passa pelo físico, emocional, mental e espiritual. A base de toda resiliência está na capacidade de alternância entre trabalho e descanso, ou seja, entre gasto de energia e recuperação de energia. O que mata não é o excesso de trabalho e sim a falta de descanso. Muitos dizem que é a mesma coisa, mas não é. Se for pedido a você para mergulhar em uma piscina e nadar 200 metros sem respirar você não vai conseguir, mas se for permitido respirar a cada braçada, o nado Crawl, você nada dois mil metros. O que faltam são respiradas a cada braçadas. Temos de tirar dois minutos de férias por hora.

Fale um pouco sobre sua palestra “Do medo que paralisa à esperança que faz agir”. No começo da pandemia, estudei prisioneiros ilustres da história, aqueles que saíram da prisão maiores do que entraram. O que chamamos de transtorno de crescimento pós-traumático, que é diferente de um transtorno de estresse pós-traumático, que é o que acontece quando um indivíduo volta traumatizado da guerra. Entre essas pessoas em especial, dois se destacaram, o comandante americano James Stockdale, que ficou oito anos preso em campos de concentração no Vietnã, e Viktor Frankl, psiquiatra judeu que ficou três anos em Auschwitz.

O que aprendeu com eles? No caso de Stockdale, o aprendizado, é que o que determina a sua sobrevivência diante de uma grande crise é a capacidade de ter um otimismo realista, você tem a fé que isso vai passar mas nunca perde o contato com a dureza da realidade, ou seja, sem negacionismo, por isso é chamado do Paradoxo Stockdale. Já Viktor Frankl fala do sentido, ou seja, temos que dar um sentido maior para aquilo que estamos passando. Se você descobrir um por quê do seu sofrimento, do esforço, você suporta qualquer coisa.

É bem mais que resistir. Isso tem a ver com capacidade de criar uma visão de futuro que lhe inspire. Então, nesta palestra, demonstro que o medo existe porque a realidade que nós temos lá fora não bate mais com o mapa que está dentro da nossa cabeça, mas de como o ser humano é presa e predador ao mesmo tempo. O lado presa fica com medo, mas o lado predador sabe que, sempre, no lugar desconhecido, que gera medo, pode ter uma grande oportunidade, daí vem a esperança. Sabemos que essa crise vai passar. E se olharmos para a história, em especial a pandemia do século 14, a peste, que matou um terço da humanidade, vemos que, cinco anos, depois surge a Renascença, o período mais criativo da história da humanidade.

Então tem espaço para otimismo?  Então pode ter certeza que em um mundo como esse, com tantas tecnologias disponíveis, sedentas por uma mudança social que permita que sejam adotadas, temos um mundo muito melhor pela frente. Só assim as tecnologias surgiram, foram adotadas. A máquina a vapor e o elevador hidráulico existiam desde o Egito Antigo e nunca foram usados porque, se você colocasse a pedra, no alto da pirâmide, com o elevador hidráulico, o que o faraó faria com 20 mil escravos? Então a mudança social vem primeiro, depois a tecnologia. Apresento nessa palestra, inicialmente, o ciclo emocional, do medo, até a esperança e quais são as competências que precisamos desenvolver para facilitar essa transição.

Falar, escutar é fácil, mas como ter esperança e como agir? Primeiro tomar consciência que precisamos fazer o que precisa ser feito, o que, geralmente, não é o que queremos fazer. Mesmo adultos tendemos a fazer birra, como quando a gente quer uma coisa mesmo sabendo que tem que fazer outra. Em momentos como esse, somos forçados a amadurecer e sair da zona de conforto, fácil não é, pois o que é fácil já foi feito. Nós não temos escolhas temos que caminhar, temos que agir. Como dizia Sir Winston Churchill, quando você estiver atravessando o inferno continue em frente.

Além do consultório em BH e São Paulo, podemos dizer que você ajuda a desenvolver líderes? Nos últimos 15 anos passei a me dedicar também ao mundo corporativo, inicialmente com palestras. Hoje sou professor convidado na Fundação Dom Cabral, onde falo sobre saúde do executivo; da interface entre as neurociências e o mundo corporativo. Neste período, acabei fazendo parte do portfólio de consultorias internacionais como consultor sênior, onde passei a trabalhar com o desenvolvimento de lideranças exatamente usando o conceito da resiliência de que falamos, para melhorar a performance de líderes, para que possam criar uma gestão mais humanizada e ao mesmo tempo com mais resultados.

E ainda tem tempo para consultorias internacionais? Meu papel nas consultorias é na entrega de programas de desenvolvimento de líderes. 

E quem é o Frederico Porto 'conteudista digital'?  Nos últimos quatro anos, passei a produzir conteúdo para o mundo digital. Tenho cerca de 100 mil seguidores nas mídias e, com o início da pandemia, passei a fazer lives, diariamente, com exceção dos domingos. Atualmente, são três por semana, ao mesmo tempo no Instagram, Facebook e Youtube, onde também recebo convidados. Tive vídeos com mais de um milhão de visualizações durante a pandemia e isso me alavancou de uma maneira que passei a produzir conteúdo com muito mais intensidade, então tenho também cursos online. Tenho um curso onde ensino as pessoas a criarem novos hábitos, outro de produtividade e o mais novo, sobre ansiedade.

Acredita num mundo cada vez mais, mas não totalmente digital e virtual? Como ficam os relacionamentos? A verdade é que nós não fomos desenhados para essa realidade. O ser humano foi desenhado para ter todos os sentidos presentes nas suas interações com outros seres: visão, audição, tato, paladar e olfato. Então, esse mundo virtualizado tem grandes vantagens, como podermos aprender qualquer assunto, pois toda informação está disponível. Mas percebo que, sem o contato físico, em especial em certas fases do desenvolvimento, vem um prejuízo nas habilidades interpessoais. Sem interação física, nossos neurônios espelhos não aprendem tão bem. Isso cria uma geração menos resiliente, sem visceralidade pela vida. Isso é triste porque os desafios serão imensos e essas pessoas têm que ter força para lidar com eles.

A curiosidade matou o gato, mas alimentou o Frederico? Sempre fui e continuo sendo curioso. Minha curiosidade foi alimentada, na infância, pelo meu pai. Brinco, dizendo que ele nos corrompia com livros. Se eu quisesse uma bicicleta teria de ler X obras. Até o dia em que tomei gosto pela leitura aí, essa moeda não valeu mais (risos). Para alguém curioso como eu, o mundo digital é um paraíso. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!