A empresa de transporte por aplicativo 99 foi condenada na justiça a pagar R$ 10 mil por danos morais após um de seus motoristas se recusar a realizar a corrida de um passageiro cadeirante em Belo Horizonte. A decisão, da 26ª Vara Cível da Comarca de BH, foi publicada na última quarta-feira (7) e, de acordo com o juiz, “a recusa do motorista constituiu um ato de discriminação”. A empresa ainda pode recorrer da decisão. Procurada pela reportagem de O TEMPO, a 99 diz que “não se pronuncia sobre decisões judiciais”.
O caso aconteceu em setembro de 2022 e, de acordo com a vítima, o advogado Bruno Queiroz, de 34 anos, o cancelamento da corrida ocorreu após o motorista perceber que se tratava de um cadeirante. “Ele chegou ao local de embarque e percebeu que se tratava de um passageiro cadeirante, foi aí que ele cancelou a corrida e me deixou no local”, relata.
Além deste processo, o advogado move outras duas ações contra a 99 e duas contra a Uber. Contra esta última, aliás, ele fez até um boletim de ocorrência, em outubro de 2021, quando um motorista foi “agressivo” na abordagem. Foi a primeira vez que ele, que é cadeirante desde 2015, decidiu reagir contra a discriminação sofrida durante o uso do aplicativo.
Procurada pela reportagem de O TEMPO, a Uber informou que “não se pronuncia sobre casos em andamento” e que “não tolera qualquer forma de discriminação”. Já o advogado alega que não é raro que casos de discriminação ocorram em ambos os aplicativos.
“Não é algo recente e acontece sempre. Eu dependo do serviço para me locomover e, infelizmente, vivencio diversas situações discriminatórias. Quando o motorista percebe que sou cadeirante, mas ainda está distante, ele costuma cancelar antes de chegar ao local. Mas, também acontece do motorista chegar ao local e se recusar a fazer a corrida”, diz.
No documento da argumentação judicial, a empresa alegou que “não pode ser responsabilizada por atos discriminatórios dos motoristas” e que “o cancelamento de corridas pode ocorrer por motivos relacionados ao custo-benefício”. Além disso, argumentou que “o aplicativo oferece filtros para a escolha de veículos adaptados para passageiros com necessidades especiais”.
Já o advogado alega que sua cadeira pertence ao modelo “monobloco”, cujo mecanismo permite retirar e instalar as rodas com facilidade. Assim, a cadeira é “totalmente adaptada” para ser transportada em carros - seja no porta-malas ou no banco de trás - e “não traz riscos” de danificar o veículo. Assim, segundo ele, a recusa em prestar o serviço “é um ato discriminatório”.
“É claro que uma empresa pode se recusar a prestar um serviço, mas isso não pode ser pautado em discriminação. Se a cadeira tivesse um formato inadequado e prejudicasse o veículo, tudo bem. Mas não é o caso. Ao se recusar a prestar um serviço, mesmo sabendo que a cadeira não vai danificar o carro, esse motorista está sim ferindo um direito do o consumidor”, afirma.
Denúncias podem ajudar
Assim como Bruno, que já sofreu diversas situações discriminatórias, mas só formalizou algumas denúncias, não é todo mundo que decide fazer um boletim de ocorrência ou abrir um processo. De acordo com o advogado Renan Penchel, que também é cadeirante e faz parte da comissão dos direitos das pessoas com deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG), a “burocracia” ainda desestimula as denúncias.
“Sabemos da fama do nosso judiciário, com processos que se arrastam e demoram a ter alguma resolução. As pessoas olham para isso e acabam não sentindo vontade em fazer uma denúncia, pois não sabem se vai dar em algo. Além disso, muitas acham que contratar um advogado pode custar caro, ignorando que elas podem pedir auxílio à Defensoria Pública”, diz.
Outra dica dada por ele é que a vítima registre um boletim de ocorrência em qualquer delegacia civil ou chame a Polícia Militar pelo 190 para formalizar a denúncia. “Mesmo que esse documento não seja essencial para abrir um processo contra a empresa, ele acaba servindo como uma ‘prova a mais’ de credibilidade. Também é recomendável anotar a placa do veículo, filmar a situação e tentar angariar testemunhas do ocorrido.”
De acordo com ele, quanto mais as pessoas denunciarem esse tipo de situação, “menos à vontade” as empresas e prestadores de serviço vão se sentir para continuar cometendo atos como esse. “Esse tipo de situação não pode ficar impune. É preciso punir para que não mais se repita”, afirma.
Veja a nota da Uber na íntegra
A Uber não tolera qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo e reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app. Temos como política que os motoristas parceiros cumpram a legislação que rege o transporte de pessoas com deficiência.
Como a situação mencionada pela reportagem faz parte de processo judicial em andamento, a plataforma não vai se pronunciar sobre este caso específico.
De qualquer forma, vale ressaltar que a Uber fornece diversos materiais informativos a motoristas parceiros sobre como tratar cada usuário com cordialidade e respeito. A empresa também conta um guia de acessibilidade que tem como objetivo apoiar os motoristas parceiros com informações sobre como ter interações positivas e respeitosas com usuários que têm alguma deficiência.
Nos casos em que usuários sentirem que o tratamento dado pelo parceiro não foi respeitoso, ou que desrespeitou os termos da lei, ressaltamos sempre a importância de reportarem esses incidentes à Uber, para que possamos tomar as medidas necessárias. Conforme explicitado no Código da Comunidade Uber, casos comprovados de motoristas que adotem conduta discriminatória podem levar à perda de acesso à plataforma.