A médica sanitarista Lígia Bahia ganhou notoriedade, nos últimos dias, após ser processada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A entidade pede, na Justiça, uma indenização de R$ 100 mil à especialista, que também é professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O CFM alega que a profissional deu declarações "falsas e difamatórias que causaram danos à honra objetiva do órgão". As falas da professora foram veiculadas em entrevista no Youtube ao Instituto e Livraria Conhecimento Liberta no dia 15 de agosto deste ano.

O vídeo não está mais disponível, mas o Conselho usa supostos trechos da entrevista para embasar o processo. "É ultra preocupante que o Conselho Federal de Medicina seja ocupado, digamos assim, politicamente, por posicionamentos político-partidários muito claros", teria dito a professora na entrevista, segundo trecho da ação movida.

Por meio de nota, a defesa da médica nega as acusações e defende a liberdade de expressão como um direito fundamental garantido pela Constituição Federal. "Acreditamos que a possibilidade de manifestar opiniões e experiências pessoais contribui para a construção de senso crítico e de uma sociedade democrática e plural", diz o comunicado.

A defesa ainda afirma que a crítica e o debate "são pilares de uma sociedade saudável, e que qualquer tentativa de silenciar vozes não deve ser permitida". Procurada pela Folha, a professora não comentou o assunto, apenas repassou a nota dos advogados.
Segundo o CFM, Bahia fez "acusações infundadas", "proselitismo ideológico" e "discurso de ódio" contra a instituição.

Ainda são réus da ação a empresa Google, dona da plataforma Youtube, e o Instituto Conhecimento Liberta, para a retirada do vídeo do ar. Ambos não responderam até a publicação da reportagem. Além da indenização por danos morais, o conselho também solicita da professora uma retratação pública e a proibição de novas publicações que eles consideram ofensivas.

O valor da indenização, segundo o CFM, será destinado a uma instituição de caridade, preferencialmente uma que atue na defesa dos direitos humanos, combate à discriminação ou apoio a vítimas de violência. Em caráter liminar, o órgão pediu a concessão de tutela de urgência para a imediata remoção do vídeo do YouTube, a retratação pública de Lígia Bahia e a proibição de novas publicações ofensivas.

A tutela de urgência acontece quando o autor da ação solicita que um dos pedidos do processo seja analisado antes antes do julgamento. Essa solicitação já foi negada pela Justiça em uma análise preliminar, mas o conselho poderá recorrer.

Reações 

Em nota, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) manifestaram apoio à médica. Bahia integra o Conselho da SBPC e, durante a pandemia, criticou a postura do CFM em relação à vacinação contra a Covid-19 durante a pandemia e o apoio ao uso da cloroquina no tratamento. 

A médica também contestou o posicionamento do Conselho em ser contrário à legislação que permite o aborto em crianças vítimas de estupro. "As declarações da professora Ligia Bahia refletem consensos científicos amplamente reconhecidos, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Ao buscar puni-la por defender estratégias baseadas em evidências científicas, o CFM se afasta dos princípios básicos da ciência e da liberdade de expressão, que fundamentam a vida acadêmica e as sociedades democráticas", diz a nota. 

Ainda conforme as entidades, o trabalho de Ligia Bagia é exemplar "na defesa da ciência e na luta incansável pela melhoria das condições de saúde da população brasileira". 

(*Com informações de Lais Menezes, da Folhapress)