Preocupações quanto ao elevado preço das hospedagens em Belém durante a COP30 - a 30ª conferência mundial do clima da ONU, que acontece de 10 a 21 de novembro - roubaram a cena nesta quinta-feira (19) nas Reuniões Climáticas de Junho, espécie de pré-COP que acontece em Bonn, na Alemanha.
Representantes da sociedade civil e negociadores de vários países bombardearam a presidência brasileira da conferência com questionamentos, temperados com muitas críticas sobre o acesso às opções de hospedagem.
Esses temores foram expressos durante uma reunião realizada pela liderança da COP30 para falar sobre as questões logísticas da conferência na capital paraense. O Brasil anunciou que irá lançar, até o fim de junho, uma plataforma oficial de alojamento, que abrirá com cerca de 6.000 leitos disponíveis no primeiro lote, recebendo novas inclusões semanalmente.
Ao todo, o país se comprometeu a disponibilizar mais de 29 mil quartos e 55 mil leitos, a maioria em aluguéis de curto prazo. Também até o fim deste mês, duas embarcações de cruzeiro estarão disponíveis para reserva, totalizando 3.882 cabines e cerca de 6.000 leitos.
A liderança da COP30 também disse estar trabalhando para que parte das acomodações tenha preços em torno de US$ 100 (cerca de R$ 550) por diária. Valter Correia, secretário extraordinário da COP30, afirmou que os preços serão proporcionais. "Vamos garantir acomodação para todo mundo."
Não faltaram, contudo, questionamentos ao que foi apresentado pela presidência brasileira. Houve ainda críticas quanto à possibilidade de que haja poucas opções de alojamento individual, o que obrigaria os participantes a dividir quartos numa conferência que normalmente conta com longas jornadas de trabalho.
"Se o preço mais baixo para alojamento for de US$ 100, isso pode significar que teremos de ficar em hostels ou em escolas, o que implica o uso de instalações compartilhadas. Esse tipo de alojamento impacta diretamente a nossa capacidade de chegar pontualmente às reuniões e de participar de forma eficaz e contínua", disse, durante a reunião, Tasneem Essop, diretora executiva da CAN (Climate Action Network) International, que representa mais de 1.300 organizações da sociedade civil.
"A questão do alojamento não é apenas logística. Ela é, fundamentalmente, uma questão de inclusão. Essa tem sido a nossa experiência, ano após ano, nas COPs. Esperávamos que esta presidência da COP tivesse aprendido com as anteriores, em que a sociedade civil levantou exatamente as mesmas preocupações", completou.
Correia disse que haverá poder de escolha quanto à hospedagem.
"Nunca falamos que alguém deverá dividir, não vamos fazer essa afirmativa, isso é opcional. Quando nós falamos que vamos garantir hospedagem para todos os delegados, todos os participantes, nós estamos afirmando isso", afirmou.
"Só não colocamos no ar a plataforma [oficial de alojamento] ainda porque estamos, justamente, aprimorando os mecanismos para oferecer os preços mais acessíveis. Vamos continuar nesse trabalho de forma muito forte", completou.
O representante da delegação do Chile reconheceu a importância simbólica da escolha de Belém, uma cidade amazônica, como sede da COP, e disse compreender as dificuldades de organização de um evento deste porte na região. Ele ressaltou, porém, que a situação coloca em risco a participação de diversos atores.
"O ILAC (bloco de nações da América Latina e do Caribe), como grupo regional da América Latina, espera ter uma participação muito forte e massiva na COP30. No entanto, essa expectativa está sendo desafiada por limitações e restrições relacionadas ao apoio para alojamento, além dos altos preços de hotéis e outras opções de hospedagem", contou. "No fim das contas, se essas preocupações não forem tratadas, isso afetará a inclusão e reduzirá a possibilidade de participação relevante das delegações dos países latino-americanos em uma COP que deveria ser regional."
A preocupação quanto aos preços não se restringiu aos países em desenvolvimento. Representantes de nações mais ricas também manifestaram. Foi o caso, por exemplo, da representação da União Europeia. Conforme a Folha revelou nesta semana, a inflação dos aluguéis na capital paraense já afeta até os representantes da Secretaria Extraordinária da COP30, vinculada à Presidência da República, que ainda não têm garantido um lugar para ficar. Diante de orçamentos com cotações de até R$ 25 mil por diária, o grupo cogita se hospedar em uma base militar.
Na reunião desta quinta, houve ainda pedidos para que seja implementada uma política de cancelamento flexível, com possibilidade de troca de nomes nas reservas. Isso acontece porque, além da questão dos custos, países e ONGs ainda não têm clareza quanto ao número de representantes que efetivamente conseguirão ser credenciados.
"A sala estava lotada, como se fosse uma plenária. Eu nunca vi tanto interesse num briefing de logística", disse Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima e veterano no universo da diplomacia internacional. "Isso normalmente é uma coisa técnica, meio protocolar. Normalmente, embora sempre haja um certo interesse, as pessoas não saem das salas de negociação para acompanhar."
Para Angelo, a COP30 tem "questões muito importantes para resolver, uma agenda enorme, e a logística não pode virar protagonista". "Não dá para ser assim. O governo brasileiro precisa resolver isso", completou ele, relembrando que as autoridades poderiam intervir nos preços praticados em Belém.
Em entrevista coletiva após a reunião, Correia destacou que a intervenção no mercado imobiliário jamais foi cogitada. Ele afirmou que a organização da COP30 tem feito um grande esforço para procurar imóveis de qualidade a um preço acessível. "Já estamos com várias ofertas deste porte", enfatizou.
O secretário disse que também há espaços governamentais a serem disponibilizados. Seria o caso da Vila Líderes, com "405 quartos de excelente qualidade". Ele enfatizou ainda as negociações de cabines em navios, entre outros pontos.
Na apresentação para a comunidade internacional, a presidência da COP30 destacou outros aspectos logísticos para a conferência, como a ampliação dos voos até Belém. Já há garantia de operações diretas ligando Lisboa (Portugal), Fort Lauderdale (EUA), Miami (EUA), Caiena (Guiana Francesa) e Paramaribo (Suriname) à capital paraense.
Assim como outras sedes da COP, o Brasil terá um esquema de vistos diferenciado para os participantes credenciados. Haverá um sistema eletrônico e todas as pessoas devidamente registradas na conferência terão isenção das taxas relacionadas. Os participantes também terão acesso gratuito ao SUS (Sistema Único de Saúde) em situações de emergência.
O país terá uma operação de segurança integrada para a COP30, contemplando sistemas aéreo, marítimo e cibernético. O plano toda a região metropolitana de Belém, incluindo condomínios, hotéis e pontos turísticos. A liderança da conferência reforçou que o Brasil tem ampla experiência na organização de grandes eventos, como a Rio-92, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. (GIULIANA MIRANDA)